Jornalista argentino compara Chávez à ditadura
O jornalista argentino Jorge Lanata e sua equipe foram detidos anteontem no aeroporto de Caracas ao retornarem da cobertura das eleições na Venezuela.
"Retiveram nossos passaportes, apagaram gravações e os contatos dos nossos celulares. Não é muito diferente o que está acontecendo lá com o que aconteceu na Argentina durante a ditadura", disse Lanata, uma das principais vozes críticas da imprensa argentina e desafeto de Cristina Kirchner, aliada de Hugo Chávez.
O jornalista acusou o embaixador argentino, Carlos Cheppi, de conivência com o governo chavista e de não ter prestado ajuda ao grupo. Cheppi declarou que a ação dos oficiais venezuelanos foi um trâmite rotineiro.
Lanata comanda hoje o principal programa que se opõe ao kirchnerismo. "Periodismo para Todos" vai ao ar nas noites de domingo por um canal aberto do grupo "Clarín" (opositor ao governo) e é uma mistura de show humorístico com jornalismo, com reportagens sobre denúncias de corrupção e imitações da presidente e outros políticos.
Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista que Lanata concedeu à Folha em sua casa, em Buenos Aires.
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Folha - Há semelhanças entre o que ocorre na Venezuela e na Argentina hoje?
Jorge Lanata - Lá a situação é muito pior e Chávez é um militar. Aqui há sociedade crítica e menos ações de expropriações. Mas as diferenças param aí. A relação com a imprensa é muito parecida. Tanto lá como aqui o governo define os jornalistas como agentes de perturbação social.
Também vejo semelhança no modo como se encara a democracia. Nos dois países está uma ideia de revolução, de governo fundacional. Nesse contexto, muitas coisas parecem lógicas, como controlar o dólar, restringir as viagens, calar a imprensa opositora. Além disso, Cristina pode não ser militar, mas seu discurso é militarizado, fala-se de soldados, bandos, sociedade dividida. Isso gera um clima de violência social.
Você tem viajado muito para as províncias do interior e mostrado os casos de corrupção regional. Como vê a Argentina a partir dessas viagens?
Para o interior do país, não houve evolução na história da democracia, o país está igual a 1983. São feudos, governados por famílias, com estados paralelos, onde a política tem pouca força. No programa que fizemos sobre Jujuy, pode-se ver isso. A agrupação Tupac Amaru, ligada ao governo, confiscou nosso equipamento e nos intimidou, cercando o edifício em que estávamos aos gritos: "nós somos bons, nós somos bons".
Seu programa hoje é a principal arma do "Clarín" para enfrentar o governo. Como vê a perspectiva do 7-D (7 de dezembro, data em que, segundo a Lei de Meios aprovada em 2009, o grupo terá de abrir mão de um de seus canais)?
O governo está falando tanto no 7-D como um ultimato que algo terá de acontecer. Não acho impossível que entrem com a polícia no canal. Cristina quer recuperar a mística do kirchnerismo, que vem sendo perdida desde o início do ano por conta da economia, do escândalo de corrupção do vice-presidente, do acidente de trem do Once. De certa forma, ela conseguiu um pouco disso com a nacionalização da YPF, que teve ampla aceitação. Mas agora não é mais assim e a Lei de Meios é sua próxima aposta.
Como o kirchnerismo está impactando o jornalismo argentino?
Está transformando nossa profissão em questão de fé. Já não importa se um fato é verdade ou não, mas sim quem o disse e por que. Isso é um absurdo, assim se negam coisas evidentes, como o fato de Amado Boudou (o vice) estar envolvido num esquema de corrupção e de Cristina Kirchner ter enriquecido 800% em oito anos. Se digo isso, sou golpista, mas está em sua própria declaração de renda.
Seu programa é um show político nos moldes do que fez nos anos 90, misturando humor com jornalismo. O que mudou de lá pra cá?
Nos anos Menem (1989-1999) eu fui muito duro com o governo, tanto no "Pagina/12" (jornal que fundou) como na televisão. A diferença é que Menem tinha sentido de humor e ria do que transmitíamos. Esse grupo não tem isso e é mais fanático. Com fanatismo, não há lugar para o humor.
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