Análise: Escolha do papa vai encerrar trégua na igreja
A renúncia do papa propiciou uma breve trégua na guerra civil na Igreja Católica, mas as hostilidades serão retomadas tão logo o sucessor seja escolhido.
A igreja está dividida entre progressistas, que acreditam em democracia (a maioria), e conservadores, que creem em autocracia --desde que a escolha dos bispos caiba a eles.
A linguagem dos dois lados é combativa. Progressistas comparam o Vaticano à KGB; conservadores acusam oponentes de heresia ou pior.
Um lado culpa o outro pelos problemas. Com isso, os escândalos de abuso sexual se devem ou a uma cultura corrupta de celibato ou à frouxidão dos progressistas. A queda no número de fiéis se deve ou à recusa da igreja a se modernizar ou ao abandono das verdades eternas.
Mas o que realmente os divide? A resposta é sexo, mas não é o único e nem sempre o principal fator na disputa.
Os conservadores se opõem ao aborto e à contracepção. Rejeitam a ordenação de mulheres e o fim do celibato para os padres. Em suas margens mais pútridas, abrigam correntes antissemitas.
Os progressistas em geral aderem ao pacote padrão do pensamento progressista: querem o fim do celibato para o clero; são pró-uso de anticoncepcionais no contexto do casamento; e acreditam que combater a pobreza é uma questão muito mais premente e grave que o aborto e que a igreja deveria tolerar mais abertamente gays.
As atitudes desse grupo coincidem em larga medida com o comportamento do público laico ocidental: segundo pesquisas, o comportamento sexual dos católicos é mais ou menos igual ao dos não católicos e, se seus votos se inclinam em alguma direção, é para a esquerda.
Já o conservadorismo católico se limita em geral às elites ocidentais.
Mas o clero e os bispos da igreja são selecionados com base em sua lealdade aos preceitos sexuais. Quanto mais o público os rejeita, maior a pressão do Vaticano para que os padres os sustentem --a esta altura, poucos ousam ser dissidentes no assunto.
As divergências são também uma disputa pelo poder.
A Igreja Católica é uma monarquia absoluta sem poderes de tributação: depende das doações dos fiéis. Esse é um motivo por que a igreja alemã, que recebe do governo um modesto tributo colhido em seu benefício, tem posição tão importante para o catolicismo na Europa.
Diante disso, a insatisfação do público laico realmente importa. A disputa passa a envolver o controle da igreja pela qual o público paga.
O elemento mais radical dos progressistas, para o clero, não é tanto o fim do celibato quanto a proposta de que as igrejas nacionais elejam seus bispos, e não Roma. Essa ampliação no poder dos bispos, parte crucial do Concílio Vaticano 2º, foi a mais decisivamente rejeitada pelos últimos dois papas.
O programa dos conservadores envolve a imposição de bispos por Roma, ou uma campanha para solapar os bispos existentes por meio de intrigas com o Vaticano.
Seria um erro decidir que os conservadores estão fadados ao fracasso porque não estão em sintonia com a sociedade moderna. Nos últimos 50 anos, foi exatamente isso que se tornou sua força.
A zombaria contra católicos por viverem em conflito sexual tende a fazer com que os devotos mais jovens e dedicados sintam que sua fé é mais forte e importante.
Se o catolicismo deixar de ser uma religião dominante, a redução no número de fiéis será acompanhada por um aumento na devoção.
O resultado pode ser que progressistas deixem de doar à igreja. Nos EUA, 10% dos adultos se dizem ex-católicos, mas a igreja que deixaram, embora encolhendo, não está totalmente vazia.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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