Análise: Transparência será primeiro teste para o papa
O primeiro dia do conclave, se tudo corresponder à lógica humana, deve conhecer uma dispersão de votos em vários candidatos. Testa-se a força de cada um, para que depois as coisas afunilem.
Um cardeal teria de concentrar, nos próximos dias, os votos de quem quer mudança e transparência na igreja; seu rival seria, por assim dizer, o representante do "status quo", o "partido da Cúria", o desejado pelo camerlengo Tarcisio Bertone.
Quem ocuparia esses dois postos? E, no caso de um impasse entre as duas forças, qual seria o "terceiro", a surpresa capaz de superá-las?
É mais ou menos segundo essa lógica que se repete com frequência a ideia de que, num conclave, "quem entra papa sai cardeal".
Supondo-se que os dois favoritos a esta altura (Angelo Scola e Odilo Scherer? Será?) saiam empatados, o caminho estaria aberto para uma surpresa mais simpática. Luis Tagle, de Manila, apesar de jovem demais, é irresistível como orador, pelo que pude ver no YouTube.
A questão é saber se o "primeiro turno" se dará exatamente entre Scola e Scherer. Se tivéssemos, por exemplo, um "primeiro turno" entre Bertone (a Cúria) e Scola (as reformas), o terceiro nome poderia ser o brasileiro.
Seria Angelo Scola, o arcebispo de Milão, um nome "reformista"? Os italianos falam nisso. O fato é que Scola é um nome muito "ratzingeriano".
Já demissionário, Bento 16 declarou, na frente de Scola e de outros prelados, que a Lombardia (onde fica Milão) deve ser "o coração crente da Europa".
De forma pouco rotineira, Bento 16 transferiu Scola do arcebispado (diz-se "patriarcado" no caso) de Veneza, que já não é pouca coisa, para o de Milão, o mais importante de todos. Scola tem defendido a liturgia em latim.
Se foi de fato séria a cisão entre Bento 16 e a Cúria, teríamos em Angelo Scola um candidato "renovador", contra a burocracia, mas muito próximo de Ratzinger.
Isso faria de Odilo Scherer o "candidato da Cúria", como diz o jornal "La Repubblica"? Cabem dúvidas, eu acho.
Bento 16 determinou que o relatório de 300 páginas sobre os Vatileaks, encomendado a três cardeais idosos demais para participar da eleição, ficasse guardado.
Dois cardeais brasileiros reclamaram do sigilo: dom Geraldo Majella e dom Raymundo Damasceno.
Se for uma tática, é bem pensada: preserva-se dom Odilo Scherer de vocalizar a queixa diretamente, mas se dá a entender que o principal "papabile" latino-americano não quer tanto segredo.
Nas reuniões preparatórias para o conclave, cerca de cem cardeais tomaram a palavra. Noticia-se também que, nessa ocasião, d. Odilo pediu mais detalhes do relatório.
Em matéria de transparência, os 11 cardeais americanos tomaram a dianteira. Realizavam "press conferences" diárias, até receberem a ordem de ficar em silêncio.
Se tudo isso se confirma, parece haver um campo forte na Cúria, interessado em zelar por mais sigilo --não só Bertone, mas também um cardeal como o francês André Vingt-Trois, arcebispo de Paris--e outro, mais adepto da transparência, com brasileiros, americanos e o sul-africano Napier, por exemplo.
O novo papa não poderia dar sinal mais claro de suas intenções reformistas do que divulgar, assim que assumisse o cargo, o conteúdo do misterioso relatório.
Que dificilmente haverá de ser bombástico, claro, dado o estilo geral das comunicações católicas.
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Um mundo de muros
Em uma série de reportagens, a Folha vai a quatro continentes mostrar o que está por trás das barreiras que bloqueiam aqueles que consideram indesejáveis