Cristina Kirchner não sabe lidar com pontífice, diz analista
"Não se cultivam boas relações com um papa mandando-lhe empanadas e doce de leite", ironiza a crítica literária e ensaísta política Beatriz Sarlo sobre o comportamento de Cristina Kirchner em relação ao novo papa, seu antigo desafeto.
Para Sarlo, o Ministério das Relações Exteriores argentino, comandado por Héctor Timerman, foi pego de surpresa e não sabe como reagir. "Falta um vaticanista, um setor que se dedique a reconstruir uma ponte da Argentina com Roma, que se perdeu durante o kirchnerismo."
E acrescenta que, se Cristina quer tirar algum proveito político com o papa, refazendo seu vínculo com ele, deve atuar de modo suave. "E ela não sabe ser suave em nada."
Ezequiel Pontoriero - 22. dez.2008/Reuters | ||
A presidente da Argentina, Cristina Fernandez de Kirchner, cumprimenta o então cardeal Bergoglio na basílica de Luján |
Logo após a nomeação de Bergoglio, Cristina mandou uma carta ao novo pontífice e declarou que irá à cerimônia. Isso apesar do afastamento que se criou entre o kirchnerismo e a igreja desde que seu marido, Néstor (1950-2010), assumiu o poder.
Sarlo não acha que a escolha de Bergoglio, contrário ao casamento gay e ao aborto, impedirá o Legislativo de seguir aprovando leis liberais. Desde que Cristina assumiu, aprovaram-se várias relacionadas a liberdades individuais, como a da "morte digna" e a do aborto após estupro.
"O mundo pequeno-burguês se preocupa muito com isso. Mas ele tem mais influência no que diz respeito à educação popular. É um setor para ficar atento." A igreja tem no país uma rede de colégios católicos privados, mas financiados pelo Estado.
A ensaísta, porém, é cética em relação ao uso político que Cristina possa fazer desse momento para arrecadar votos. "É o mesmo que considerar que a Copa de 1978 teve realmente efeito para manter o regime militar. Se ela conseguisse vincular sua imagem à dele, ainda assim teria efeito de curto prazo."
Já Graciela Rohmer, socióloga e analista de opinião pública, acha que a presidente pode aproveitar a "melhora de humor da população, motivada pela euforia da escolha do papa, e fazer com que por algum tempo se esqueçam de fatores irritantes como insegurança e inflação."
Considera, porém, que ainda é cedo para saber se isso terá algum impacto na eleição legislativa de outubro.
Rohmer diz ainda que é natural que a oposição alimente esperanças de que o papa argentino se alie a ela de algum modo, por sua posição de enfrentamento com Cristina.
Há políticos, como Elisa Carrió (Coalizão Cívica) e setores da UCR, que têm melhores relações com a igreja do que os kirchneristas. Já do lado destes, não falta quem busque associar-se ao novo papa. "O papa é peronista", disse Gabriel Mariotto, vice-governador da província de Buenos Aires, de uma ala conservadora do partido.
"Natural que a oposição veja na escolha de Bergoglio a chance de atingir Cristina. E talvez que Cristina tente usar esse fato. Mas o papa não poderá ficar nesse jogo de kirchnerismo contra não kirchnerismo. Terá de olhar para os fiéis do mundo, não só os 40 milhões de argentinos."
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