Restaurar o papel central da OMC será uma tarefa difícil
Em 1999, 100 mil manifestantes se reuniram em Seattle determinados a atrapalhar uma reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio), e com isso bloquear seu objetivo de liberalizar o comércio mundial.
Hoje em dia, as multidões que combatem a globalização são bem menores e mais contidas. "Não conseguimos nem mesmo provocar um bom distúrbio", brincou um dirigente da OMC, admitindo que esse talvez não seja um desdobramento inteiramente positivo.
A relevância da organização --não apenas para os manifestantes, mas para os governos e empresas que ela representa-- está sob séria ameaça depois de anos de esforços fracassados de chegar a um acordo mundial de comércio.
O principal item na agenda do sucessor de Pascal Lamy, a partir de setembro, será mudar essa situação antes que negociações bilaterais e regionais de comércio ameacem descarrilar de modo permanente um acordo mundial, deixando à OMC a função primordial de mediadora em disputas de comércio internacional.
Roberto Azevêdo emergiu ontem como novo diretor geral da organização, depois de uma batalha contra o mexicano Herminio Blanco.
A esperança é de que Azevêdo consiga presidir a uma rodada bem sucedida de reuniões este ano em Bali, Indonésia, a primeira a ser realizada fora de Genebra em nove anos, a fim de levar adiante as negociações da rodada Doha, cujos objetivos foram fortemente atenuados.
Mas reconquistar atenção para a OMC por meio de sucesso significativo em Bali é uma tarefa de imensa dificuldade.
Desde a crise financeira, o crescimento no comércio internacional e investimento estrangeiro que alimentou a prosperidade econômica mundial desde o final da Segunda Guerra Mundial se reduziu, e em 2012 o comércio internacional cresceu menos que o PIB (Produto Interno Bruto) agregado das nações do planeta.
E embora a crise tenha reforçado tanto o papel quanto o poder de fogo do FMI (Fundo Monetário Internacional), o esforço de liberalização do comércio perdeu espaço na lista de prioridades dos governos, que já antes do colapso do Lehman Brothers estavam se provando incapazes de encontrar terreno comum quanto a esse tópico.
A rodada Doha, que leva esse nome porque as negociações foram iniciadas na capital do Catar em 2001, está na prática suspensa desde a metade de 2008, quando diversos desacordos, principalmente entre os Estados Unidos e a Índia, resultaram em um colapso.
Desde o início da rodada Doha, acordos regionais e bilaterais de comércio se tornaram mais comuns, e existem sinais de que um acordo de comércio entre os Estados Unidos e a União Europeia, há muito discutido, agora tem mais chance de se tornar realidade. Blanco declarou este mês que as negociações entre europeus e norte-americanos eram "um chamado à ação" para a OMC.
Com as negociações de Bali marcadas para o começo de dezembro, o novo diretor geral estará sob pressão.
"Samuel Johnson disse que 'nada como um enforcamento para concentrar as atenções'", disse Gary Hufbauer, pesquisador sênior no Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington.
"Para a OMC, [Bali] é o mais perto que se pode chegar de um enforcamento. Se a organização não produzir avanço algum em Bali, será preciso questionar por que grandes empresas e governos deveriam dedicar grande esforço a buscar avanços na OMC... O aspecto de negociação da OMC se tornaria irrelevante".
Mas embora a POMC possa ter esperanças de que o belo cenário estimule a cooperação, está longe de certo que os países membros cheguem a acordo até mesmo sobre pequenas medidas de facilitação do comércio e quanto aos subsídios agrícolas, o que bastaria para provar que a rodada Doha continua viva.
Jack Colvin, vice-presidente do Conselho Nacional de Comércio Exterior dos Estados Unidos, disse que "dadas as declarações recentes dos líderes da OMC, muita coisa será necessária para chegar a um acordo em Bali".
Azevêdo, o embaixador do Brasil à OMC desde 2008, argumentou que seu conhecimento sobre o mecanismo da organização lhe propiciaria vantagens para garantir progresso na Indonésia.
"Não preciso perder tempo procurando, perguntando e tentando compreender qual é a situação, antes que eu faça minha jogada", ele disse à agência estatal de notícias chinesas Xinhua.
Mesmo que os resultados de Bali consigam reanimar a rodada Doha, a virada decisiva na direção de acordos regionais e bilaterais não deve se alterar no futuro próximo, e é provável que as ambições da OMC continuem modestas.
Colvin acredita que a organização tenha pouca escolha a não ser tentar contornar o problema, explorando o sucesso desses acordos e incorporando às conversações multilaterais as mais recentes regras a emergir dos acordos bilaterais e regionais.
Colvin disse que o novo diretor geral teria de tratar de novas questões que afetam o comércio mundial. "Há a necessidade de concentração maior quanto ao comércio digital e a mudança do clima", ele disse, apontando que a organização continuava lidando com um conjunto de questões definido em Doha 12 anos atrás.
"Mas é difícil tratar dessas questões de maneira significativa sem um consenso mais amplo sobre como avançar", disse.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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