Análise: Documento mostra que papas têm a mesma visão da igreja
Poucos estilos são tão diferentes quanto os de um intelectual alemão e de um líder social latino-americano, mas a encíclica "Lumen Fidei", a primeira do papa Francisco, atesta a identidade de pensamento entre ele e Joseph Ratzinger, o papa Bento 16.
Apesar de algumas diferenças gritantes, ambos demonstram a mesma visão com relação à Igreja Católica, sua missão no mundo, a fé e o amor.
É verdade que o documento se insere dentro de um programa idealizado por Bento 16, com suas encíclicas anteriores sobre o amor e a esperança e o Ano da Fé que está sendo comemorado pelos católicos.
Mas a rapidez com que foi publicada e o texto ao mesmo tempo "ratzingeriano", mas carregado com temas de Francisco, mostram que o papa atual está à vontade no pensamento do anterior.
Discorrendo sobre a fé, a encíclica toma como ponto de partida a descrença e as críticas de grandes pensadores da modernidade.
Não parte tanto da doutrina católica sobre a fé quanto do diálogo entre agnosticismo e experiência da fé.
A partir daí, enfatiza elementos clássicos do cristianismo, mas seu eixo central é definido pela relação entre fé e amor.
Em que os cristãos têm fé? No amor gratuito de Deus por eles. Onde a fé se manifesta no mundo? No amor pelo outro, que é fruto do amor de Deus por nós. A fé existe para que o ser humano tome consciência do amor de Deus e leva a pessoa a amar e a se dedicar aos outros.
Esta síntese entre fé e amor é central na primeira encíclica de Bento 16, "Deus é amor", e um dos traços marcantes do papa Francisco.
O que o papa intelectual viveu e sistematizou, mas teve dificuldade de comunicar a todos, se torna testemunho evidente no comportamento do papa pastor.
Para quem procura polêmicas, e sempre haverá quem procurará polêmicas nos textos dos papas, a encíclica traz uma questão interessante.
Não se discute tanto a necessidade de a fé se expressar em obras boas, clássica na doutrina cristã, mas sim a necessidade da fé para se chegar tanto ao bem pessoal quanto o bem comum.
Sem o reconhecimento do amor gratuito de Deus, que vem da fé, a luta pelo bem e mesmo o amor recíproco podem se transformar facilmente em projeto de poder e dominação.
p(tagline)FRANCISCO BORBA RIBEIRO NETO é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Um mundo de muros
Em uma série de reportagens, a Folha vai a quatro continentes mostrar o que está por trás das barreiras que bloqueiam aqueles que consideram indesejáveis