Depoimento: Miserável, Iêmen é ninho da franquia mais violenta da Al Qaeda
Você percebe que a situação é realmente séria quando até mesmo os taxistas estão com medo.
Quando estive no Iêmen, como repórter desta Folha, demorei alguns dias para perceber que havia um perigo real à minha vida, para além das manchetes dos jornais. Me dei conta do problema em um fim de tarde, quando entrei em um carro nos arredores do centro da capital Sanaa e pedi que o motorista me levasse até o hotel onde eu estava hospedado.
"Você está louco, andando sozinho na rua?", ele me perguntou, no dialeto iemenita do árabe. Então, usou um verbo que eu não conhecia --mas supus que significava "sequestrar". Ele reforçou o alerta me segurando com força no braço e dizendo "assim, olha, alguém pode fazer assim com você".
O Iêmen se tornou, nos últimos anos, um lugar assustador. O país é ninho da franquia mais violenta da rede terrorista Al Qaeda, e tem se transformado a cada dia em um território mais volátil, conforme o vácuo de poder deixado pelo ditador Ali Abdullah Saleh, deposto em 2012, é preenchido por organizações extremistas.
O grupo extremista Huthi, que movimenta uma insurgência ao norte, na fronteira com a Arábia Saudita, tem como seu lema oficial a destruição de Israel e a morte aos americanos.
VAZIO
Repleto de atrações turísticas, e considerado a terra natal do povo árabe, o Iêmen estava vazio durante a minha visita. De maneira que, sozinho em um hotel para centenas de hóspedes, tive por uma semana a sensação de que toda a cidade me conhecia.
Um dia, caminhando pelo centro antigo de Sanaa, um iemenita me abordou e disse que tinha me visto nas reuniões do comitê de Diálogo Nacional, o esforço político pela transição democrática negociada no país. Ele me convidou a ir com ele a um clube.
Então, como quem não quer nada, me perguntou onde eu estava hospedado. Menti e fui para a direção oposta --mais pela aflição de divulgar informações do que por um perigo real. O taxista havia me deixado realmente assustado.
Não por pouco. Nos dias seguintes, as notícias se repetiam. Estrangeiros raptados. Tiroteios. Ataques a dutos de gás. Cortes de eletricidade. Confrontos entre facções do Exército.
De maneira que surpreende pouco a notícia de que há uma séria ameaça de ataque terrorista no Iêmen. Até porque, no país mais pobre do mundo árabe, em que água é um recurso de luxo, seria difícil evitar o sentimento antiamericano, conforme os EUA bombardeiam vilarejos com drones (aviões não tripulados) à procura de militantes da Al Qaeda.
Zunindo e aterrorizando crianças, os drones se tornaram uma figura mítica no país, sobre a qual moradores me falavam frequentemente.
"A cabeça [do presidente americano] Barack Obama não vai ser o suficiente para nós", me disse um camponês, durante minha passagem por Sanaa. Ele me contava sobre como viu os restos de seu irmão, após um ataque. As vítimas, me disse, eram civis inocentes.
Se um dia a Al Qaeda foi uma organização impopular no Iêmen, a guerra ao terror tem tido o efeito de fazer a população em solo repensar quem é o inimigo do país --o grupo islâmico que reconstrói suas casas ou o país estrangeiro que, com aviões a centenas de metros de altitude, destrói suas vilas.
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