Nova Al Jazeera América promete manter noticiário mais sóbrio
Catorze horas de programação noticiosa séria a cada dia. Documentários reveladores. Correspondentes em partes do mundo que não costumam receber cobertura. E menos comerciais do que qualquer outro canal de notícias.
Parece algo que um professor de jornalismo imaginaria. Na verdade, é a Al Jazeera America, culminação de um antigo sonho dos líderes do Qatar, o emirado do Oriente Médio que já atinge a maior parte do resto do mundo com seus canais de notícias em árabe e em inglês.
O novo canal, criado especificamente para os consumidores dos Estados Unidos, vai passar a fazer parte das grades de programação dos serviços de TV paga na terça-feira.
A Al Jazeera America é o mais ambicioso empreendimento noticioso na TV dos Estados Unidos desde que Rupert Murdoch e Roger Ailes criaram o Fox News Channel, em 1996.
E o projeto enfrenta alguns dos mesmos obstáculos que a Fox News veio a superar --incluindo o ceticismo generalizado quanto à disposição dos distribuidores, anunciantes e telespectadores de lhe dar uma oportunidade.
Mas os paralelos para com outros canais param por aí, porque a Al Jazeera America está contrariando aparentemente todas as tendências das notícias televisivas.
"Os telespectadores verão um canal de notícias diferente dos outros, porque nossa programação provará que a Al Jazeera America transmite notícias factuais, imparciais e em profundidade", disse Ehab Al Shihabi, presidente-executivo interino do canal, em entrevista coletiva na semana passada. "Haverá menos opinião, menos gritaria e menor presença de celebridades".
Al Shihabi e os demais representantes da Al Jazeera dizem que pesquisas exclusivas sustentam sua asserção de que os telespectadores norte-americanos desejam um canal noticioso semelhante ao canal público PBS, no ar 24 horas por dia.
Originalmente, o novo canal teria foco mais internacional; agora, seus dirigentes enfatizam o volume de notícias norte-americanas que cobrirão e o número de sucursais nacionais que o canal terá, o que alguns observadores veem como um esforço para apaziguar os céticos.
Os concorrentes potenciais do canal nas divisões noticiosas das grandes redes de TV, como a NBC, e nos canais de notícias já estabelecidos, como a CNN, em geral desconsideram o rival iniciante.
Um executivo importante do segmento de notícias televisivas previu que a Al Jazeera America inicialmente teria audiência ainda menor do que a do canal que substituirá, o Current TV.
No mês passado, o Current TV, às portas do fechamento, tinha cerca de 24 mil telespectadores no horário nobre, de acordo com dados da Nielsen; o canal Fox News tinha audiência de 1,3 milhão de pessoas.
A Al Jazeera adquiriu a Current TV por US$ 500 milhões em janeiro a fim de criar um canal nos Estados Unidos, depois de tentar sem sucesso por anos obter transmissão a cabo e via satélite no país para seu canal de notícias internacionais em inglês.
Mas a obtenção de espaço na grade requer concessões. Porque os distribuidores desencorajam os canais parceiros de transmitir programação gratuitamente na Internet, a Al Jazeera terá de bloquear o acesso de usuários norte-americanos ao seu jornalismo em vídeo online, que tende a ser popular em períodos de tensão no exterior.
A Al Jazeera America começará com presença em cerca de 48 milhões dos cerca de 100 milhões de domicílios que recebem serviços de TV paga nos Estados Unidos.
A companhia está negociando com a Time Warner Cable, que anunciou publicamente a retirada da Current TV de sua grade quando esta foi adquirida pela Al Jazeera. Enquanto isso, um dos concorrentes internacionais do grupo, a BBC, continua a se esforçar por ampliar a distribuição do canal BBC World News nos Estados Unidos.
O que é único quanto à Al Jazeera --seus recursos aparentemente ilimitados provenientes do governo do emirado rico em petróleo e gás natural - pode se provar sua principal vantagem mas também sua fraqueza mais perceptível.
Com uma equipe de 900 funcionários, entre os quais 400 na redação, o projeto é um dos mais significativos investimentos em jornalismo dos últimos anos.
Paul Eedle, executivo inglês da Al Jazeera que está ajudando o canal a iniciar suas operações, não quis comentar sobre o orçamento total, mas informou que o investimento é de centenas de milhões de dólares. "Estamos aqui por acreditarmos que nossa missão jornalística tenha algo a oferecer aos Estados Unidos", disse.
Muita gente alega que os objetivos geopolíticos do Qatar também são uma motivação. O nome da Al Jazeera continua a despertar grandes suspeitas em alguns norte-americanos, principalmente por conta do período posterior aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, quando a Al Jazeera transmitiu vídeos de Osama bin Laden e foi criticada pelo governo Bush como antiamericana.
Os dirigentes da Al Jazeera America rebatem as dúvidas sobre a possibilidade de que a marca Al Jazeera prejudique as chances do canal na TV a cabo, mencionando outras marcas estrangeiras, como a Honda, que hoje são vistas favoravelmente nos Estados Unidos.
Por enquanto, os grandes patrocinadores estão se mantendo distantes. A Al Jazeera não identificou nenhum grande patrocinador.
O grupo define seu tempo comercial reduzido - seis minutos por hora, em lugar dos 15 minutos de outros canais noticiosos - como vantagem para o telespectador. "Não interrompemos demais as notícias para comerciais", disse Al Shihabi depois de conduzir uma visita aos estúdios do canal em Nova York, na quinta-feira.
Ele estava cercado de repórteres, o que demonstra o interesse generalizado pela estreia do canal - ao menos entre outros jornalistas.
"Isso me lembra do lançamento de outras três organizações noticiosas que se provaram transformadoras nos Estados Unidos", disse Bob Meyers, presidente da Fundação Nacional de Imprensa norte-americana, em um posto no seu blog, na semana passada.
"Uma foi o lançamento da CNN em 1/6/1980; a segunda o lançamento da Bloomberg News, em 1990; e a terceira o lançamento do site Politico, em 2007".
Ele sugeriu que a Al Jazeera America estava na mesma categoria, afirmando que "assistir ao canal pode ser divertido, e até benéfico".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Um mundo de muros
Em uma série de reportagens, a Folha vai a quatro continentes mostrar o que está por trás das barreiras que bloqueiam aqueles que consideram indesejáveis