Sem ação do Congresso, Estados dos EUA agem quanto a leis de privacidade
Os legislativos estaduais dos Estados Unidos, diante da crescente preocupação do público quanto à coleta e comercialização de dados pessoais, correram a propor uma série de leis de proteção à privacidade, que variam de limitar os dados que escolas podem recolher sobre seus alunos à questão da obtenção de mandados pela polícia para realizar escutas em celulares.
Mais de duas dúzias de leis relacionadas à privacidade foram aprovadas este ano em mais de 10 Estados, do Oklahoma à Califórnia. Muitos legisladores dizem que as reportagens sobre a vigilância generalizada pela Agência Nacional de Segurança (NSA) geraram maior apoio aos projetos de lei entre seus eleitores. E em alguns casos, dizem legisladores estaduais, eles se sentiram compelidos a agir devido ao impasse em Washington quanto a leis que reforçariam a privacidade.
"O Congresso evidentemente não está interessado em atualizar essas coisas ou em proteger a privacidade", disse Jonathan Stickland, deputado estadual republicano no Texas. "Se eles não vão agir, os Estados terão de fazê-lo".
Para as companhias de Internet a colcha de retalho de leis diferentes em todo o país significa necessidade de observar atentamente as diferentes legislações, para evitar violações. Muitas delas formaram equipes para lidar com as legislações estaduais. E a aprovação de novas leis levou algumas companhias, especialmente no setor de tecnologia, a acionar seu poder de lobby - com algum sucesso - em casos nos quais projetos em debate poderiam prejudicar seus lucros.
"Pode ser contraproducente ter múltiplos Estados tratando da mesma questão, especialmente no caso da privacidade online, que pode ser encarada como questão nacional ou internacional", disse Michael Hintze, diretor jurídico de privacidade na Microsoft, acrescentando que havia casos em que isso poderia criar "dificuldades no cumprimento das leis". Para as empresas, a existência de uma lei federal que proíbe os Estados de interferir com o comércio interestadual é uma vantagem.
Alguns dos projetos envolviam questões de vigilância que vão além da Web. Oito Estados, por exemplo, aprovaram leis este ano restringindo o uso de aeronaves de pilotagem remota (drones), de acordo com a American Civil Liberties Union (ACLU), uma organização de defesa dos direitos civis que luta por leis de privacidade mais rigorosas. Na Flórida, um legislador criou um projeto de lei que proibiria escolas de recolher dados biométricos para verificar que alunos recebem refeições gratuitas e quem desce do ônibus em que parada. Vermont limitou o uso de dados recolhidos por leitores de placas de automóveis, usados principalmente pela polícia para flagrar infrações de trânsito.
A Califórnia, há muito pioneira na concepção de leis de proteção às privacidade digital, aprovou três projetos de lei de defesa da privacidade online este ano. Um deles confere a menores de idade o direito de apagar posts em mídia social, outro torna delito a publicação de imagens de nudez online sem autorização da pessoa retratada, e um terceiro requer que as companhias informem aos seus consumidores se respeitam ou não os comandos de "não rastrear" disponíveis em navegadores da Web.
Mas fortes esforços de lobby puseram fim a um projeto de lei de direito de informação que estava em debate na Califórnia este ano e certamente prejudicaria o setor de tecnologia. O projeto teria requerido que qualquer empresa que "retenha informações pessoais sobre um cliente" divulgasse cópia dessas informações a pedido do cliente, bem como revelasse a que terceiras partes transmitiu as informações. A prática de compartilhar dados sobre clientes tem posição central na publicidade digital e é muito importante para as grandes companhias de Internet que dependem de receita de publicidade online.
"O direito à informação é um exemplo de sistema impraticável", disse Jim Halpert, advogado do escritório DLA Piper, que comanda uma coalizão setorial incluindo Amazon, Facebook e Verizon. "A proposta abarcava uma gama muito ampla de revelações. Combatemos a ideia".
Mais de um ano atrás, a Casa Branca propôs uma carta dos direitos de privacidade do consumidor, mas o Congresso ainda não colocou o projeto em debate. E uma atualização proposta para a Lei de Privacidade na Comunicação Eletrônica, implementada 27 anos atrás, está paralisada. A proposta requereria que as agências policiais obtenham mandados, com base em causa provável, para que possam ler e-mails de pessoas sob investigação.
Diversos legisladores disseram que se sentiram compelidos a agir porque o Congresso não o fez. "Eles só agem no interesse do povo caso isso sirva aos seus interesses", disse Daniel Zolnikov, deputado estadual em primeiro mandato, em Montana. O republicano Zolnikov sugeriu que a inação era fruto dos esforços de lobby dos "interesses especiais" no Congresso.
Por isso, ele decidiu tratar da questão da privacidade no Legislativo estadual. Montana se tornou o primeiro Estado norte-americano a aprovar, este ano, uma lei que requer que a polícia obtenha mandado de busca antes que possa rastrear o paradeiro de um suspeito usando seus registros de telefonia móvel.
De acordo com uma pesquisa conduzida pelo Pew Internet Center, a maioria dos norte-americanos diz acreditar que as leis existentes são inadequadas para proteger sua privacidade online, e clara maioria dos entrevistados reportou realizar grandes esforços para mascarar sua identidade online. Alguns dos pesquisadores disseram apagar seus históricos de navegação e posts em mídia social, ou alegaram recorrer a redes virtuais a fim de esconder seus endereços IP - e alguns poucos afirmaram usar ferramentas de cifragem.
John Pezold, deputado estadual republicano na Geórgia, disse que questões como a criação de empregos são mais importantes que a privacidade, para muitos de seus eleitores. Mas ele afirmou que a privacidade digital estava começando a ganhar importância, devido às recentes revelações sobre escutas do governo.
"As pessoas estão cada vez mais preocupadas com a possibilidade de que sua vida deixe de lhes pertencer", diz Pezold, que planeja apresentar um projeto abrangente de lei de defesa da privacidade dos consumidores na próxima sessão legislativa. "E isso é algo que temos de proteger".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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