Análise: Fissura no poder turco inflama protestos contra Erdogan
Quando do auge das manifestações do parque Gezi, em Istambul, críticas ferrenhas eram feitas ao primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan.
Críticas ao seu autoritarismo se viam expressas em cartazes e grafites, ora retratando-o como um sultão otomano, ora jocosamente convidando-o para uma cerveja, cuja venda seu governo dificultava largamente.
Poucos escritos e gritos de "renuncie" se viam então.
Nos últimos dias, a coisa mudou de figura. Os protestos de rua, que não se extinguiram, embora tenham perdido a força por um tempo, voltaram com bastante ímpeto e, desta vez, cresce o clamor pela renúncia do governo como um todo.
Por um lado, milhares de descontentes turcos continuaram sua luta (ou resistência, como preferem), com manifestações a favor de ativistas presos ou hospitalizados desde os protestos do meio do ano ou contra práticas de "gentrificação" (elitização) ou obras de impacto ambiental que persistem em cidades como Istambul e Ancara.
Essa tensão entre o AKP –partido de Erdogan– e manifestantes não é novidade, portanto. O que já se esboçava então, mas ganhou proporções gigantescas nos últimos dias, é a fissura entre o AKP e o Movimento Gülen –movimento religioso e social liderado por Fethullah Gülen–, que, por muito tempo, lhe deu importante apoio.
Suas concepções de islã político –o primeiro mais afinado com o mundo árabe sunita, e o segundo mais voltado para o mundo turco mais amplo– sempre divergiram, mas agora ganham ares de confronto acirrado.
Quando dos protestos de Gezi, o movimento criticava abertamente a maneira confrontadora e a postura polarizadora de Erdogan em relação aos manifestantes.
Nos últimos tempos, o movimento Gülen parece ter reagido à decisão do governo de fechar suas escolas preparatórias, ajudando a lançar luz sobre inúmeros casos de corrupção do governo. É a clara corrupção que adiciona calor ao inverno turco, com os novos gritos a plenos pulmões de "propina em todo lugar, corrupção em todo lugar" em diversas cidades turcas.
Continua a dúvida: como esses manifestantes vão se configurar em termos políticos nas eleições vindouras?
Com todos os problemas, a oposição no país ainda se mostra fraca. O caso turco deixa claro, porém, os diversos matizes do islã político. Coloca também em xeque o diferencial que o AKP dizia ter, de não ser maculado com corrupção e fraude.
De "zero problemas com os vizinhos", mostra-se cada vez mais cheio de problemas com os aliados internos, colocando em xeque a figura de um dos líderes mais carismáticos da Turquia desde Atatürk.
MONIQUE SOCHACZEWSKI é historiadora.
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