Análise: Desgastada, a monarquia sobreviverá
É uma pena que a abdicação do rei Juan Carlos se dê no momento em que a monarquia vive seu pior momento em termos de popularidade.
De zero a dez, a nota que os espanhóis dão à instituição é 3,72, conforme a mais recente pesquisa do CIS (Centro de Investigações Sociológicas), feita em abril. Em 1995, no pico da popularidade, a nota era o dobro (7,48).
É natural, nesse cenário, que haja algum rumor sobre a conveniência de eliminar a monarquia, que, muito provavelmente, não vai prosperar até porque o futuro rei, o príncipe Felipe, continua com boa cotação (66% de aprovação, conforme outra pesquisa, também recente).
Digo que é uma pena o momento de baixa popularidade porque o reinado de Juan Carlos Alfonso Victor María de Borbón y Borbón se confunde muito com a própria democracia espanhola. Esta vigora há 37 anos, o rei reina há 39.
E se confunde porque Juan Carlos foi essencial para pôr fim a uma tentativa golpista, em fevereiro de 1981, quando a democracia era um bebê ainda inseguro. Como comandante das Forças Armadas, vestiu a farda e foi para a televisão para condenar o levante da extrema-direita, o que decidiu o jogo.
Pena também porque a culpa maior pelo desgaste da monarquia não é diretamente do rei, mas de um de seus genros, Iñaki Urdangarin, casado com a princesa Cristina, envolvido em um escândalo de corrupção que ainda está em exame nos tribunais.
É inevitável que, em um momento de extremas dificuldades econômicas para um bom número de espanhóis, o envolvimento de um membro da família real com desvio de dinheiro público ganhe dimensão de escândalo maiúsculo.
Se o rei não está diretamente envolvido, vale, no entanto, para ele, uma frase que ouvi tempos atrás de Sérgio Ramírez, notável escritor nicaraguense, ex-vice-presidente durante o primeiro período do sandinismo no poder: "Se eu fosse presidente, reuniria a família e os amigos para avisar que devem se abster de negócios com o governo, mesmo negócios legais".
Juan Carlos, ao que tudo indica, não deu conselho parecido a Urdangarin - e paga alto preço por isso.
De todo modo, o mais provável é que, se houver um plebiscito sobre a continuidade da monarquia, como algumas correntes propõem na Espanha, prevaleça o status quo. Afinal, os políticos, que assumiriam a chefia de Estado, hoje exercida pela monarquia, estão ainda mais desprestigiados, de que dá prova contundente o recente resultado da eleição para o Parlamento Europeu.
Os dois partidos que dominam a política espanhola desde a redemocratização viram sua fatia de votos, somados, cair de 80% no pleito anterior (2009) para apenas 49% agora. E escândalos de corrupção não são exclusivos do sangue azul, muito ao contrário.
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