Milícia que lutou contra os EUA se mobiliza no Iraque
Um pelotão vestindo calça e camisa preta marcha em passo ritmado num bairro residencial de Najaf, capital religiosa do Iraque. Um comandante com farda militar aponta para eles e, orgulhoso, diz à Folha: "Estes são os homens que correram os americanos para fora daqui".
Seis anos após ser oficialmente desmantelada, a milícia Exército Mahdi, famosa por combates implacáveis contra os EUA durante a ocupação, assumiu outra vez seu autoproclamado papel de defensora dos xiitas iraquianos.
Desta vez, o inimigo não é uma força ocupante, mas um grupo sectário ultrarradical: o sunita Estado Islâmico no Iraque e no Levante, que tomou várias cidades e promete destruir santuários xiitas.
O Exército Mahdi, porém, se opõe frontalmente ao apelo por ajuda dos EUA lançado por Maliki, também xiita, evidenciando rachas que ameaçam minar a frente de combate ao EIIL. "Temos 15 mil combatentes treinados e preparados. É suficiente. Não precisamos da ajuda de ninguém", diz o comandante.
Alaa Al-Marjani/Reuters | ||
Milicianos do grupo xiita Exército Mahdi marcham durante treinamento na cidade de Najaf, no Iraque |
A posição ecoa a hostilidade aos EUA dos moradores de Najaf, ainda traumatizados com o ataque americano que, em 2004, destruiu parte da majestosa mesquita que abriga o túmulo do imã Ali, primo e genro do profeta Maomé.
O xeque Qassem Al Taee, um dos mais importantes clérigos de Najaf, rejeita qualquer plano de ajuda americana, sob pretexto de que foi Washington quem semeou a discórdia entre muçulmanos.
"Foi a maneira que os americanos encontraram para enfraquecer o islã, única força capaz de resistir às suas ambições hegemônicas", afirma o xeque, reproduzindo ponto de vista comum no país.
Mas a cidade sagrada tem vozes dissonantes, entre as quais a do clérigo Ali Basheer al-Najafi: "Se o Iraque precisar de apoio, devemos aceitar ajuda externa, desde que isso seja feito por meio de acordos internacionais".
Em Bagdá, onde o clima de insegurança é maior do que em Najaf, parece haver mais simpatia por uma eventual intervenção americana. Um dos apoios mais expressivos é o da milícia xiita Asaeb Ahl al-Haq -surgida como dissidência do Exército Mahdi-, que se aliou a Maliki e é uma das mais ativas no combate aos sunitas ultrarradicais.
"Se a coalizão de governo concordar, não vejo problema em pedir ajuda estrangeira", disse Ahmad al-Kinani, porta-voz da organização, ao receber a Folha num escritório repleto de homens à paisana com pistolas na cintura.
Ironicamente, a mesma milícia é considerada próxima da Guarda Revolucionária do Irã, facção militar de elite envolvida em ações clandestinas em todo o Oriente Médio.
"O Irã também pode nos ajudar, mas não queremos soldados estrangeiros pisando em nosso solo. Envio de armas é do que realmente precisamos", afirma Kinani.
O jornalista Driss Jawad, próximo do poder, apoia uma intervenção estrangeira, desde que seja restrita aos EUA.
Para Jawad, o governo pediu ajuda por saber que não pode depender só de forças regulares e unidades criadas para treinar cidadãos comuns.
Entre civis sunitas há um sentimento de mal-estar, já que muitos são acusados pelos xiitas de ser cúmplices do avanço do EIIL. Mas o desempregado Hamman al-Karkuli destoa do estereótipo e defende o envolvimento americano.
"Sou favorável a bombardeios pesados, mas não quero nem pensar em ver os EUA novamente instalados aqui."
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