Após sanções, empresas energéticas reavaliam negócios com a Rússia
A derrubada do voo 17 da Malaysia Airlines sobre o leste da Ucrânia e as sanções mais duras contra a Rússia adotadas a seguir estão levando algumas grandes multinacionais energéticas a reavaliar as ramificações da crise.
Durante meses, empresas americanas e europeias do setor energético continuaram a fechar acordos com a Rússia, mantendo uma postura de "business as usual". Mas executivos do setor estão começando a admitir que as tensões crescentes podem prejudicar grandes empresas ocidentais de óleo e gás que têm investimentos de vulto na Rússia, além das firmas de serviços que são fornecedoras cruciais de tecnologia.
"Estamos no auge de uma fase altamente conturbada", disse a repórteres na terça-feira o executivo-chefe da BP, Robert W. Dudley.
A empresa avisou que novas sanções podem prejudicar a receita, a produção e a reputação da BP.
A gigante francesa Total, uma das petrolíferas mais engajadas com a Rússia, disse que, desde a tragédia do avião, deixou de elevar regularmente sua participação em sua parceira russa Novatek, produtora de gás que foi submetida a sanções dos Estados Unidos este mês.
O executivo financeiro chefe da Total, Patrick de la Cheverdière, também indicou na quarta-feira que a companhia está estudando o efeito que as sanções podem ter sobre seus projetos, como uma instalação de gás de muitos bilhões de dólares que ela está construindo em parceria com a Novatek.
O tom de voz do setor mudou a partir do momento em que os governos ocidentais passaram a mirar diretamente contra as perspectivas econômicas da Rússia, em especial de seu setor energético. Depois de passar meses se limitando a medidas que pareciam ser em grande medida simbólicas, na terça-feira os Estados Unidos e a União Europeia acordaram uma rodada de sanções que, aparentemente, podem ter impacto real.
"As empresas enfrentam uma realidade dura: que os EUA e a União Europeia fecharam posição sobre sanções de uma maneira que teria sido inconcebível duas semanas atrás", disse John Lough, analista da Rússia na Chatham House, uma organização de pesquisas com sede em Londres.
Numa rodada anterior de sanções, os EUA impuseram algumas restrições financeiras a empresas energéticas russas como a Rosneft e a Novatek. As sanções mais recentes vão mais longe, num esforço para limitar a exportação de equipamentos altamente especializados que são necessários para o desenvolvimento das novas fronteiras energéticas da Rússia, incluindo o Ártico e formações rochosas de xisto na Sibéria ocidental.
Empresas como Total e Royal Dutch Shell injetaram muito dinheiro na Rússia nos últimos anos. E uma plataforma petrolífera a ser operada pela Exxon Mobil e a Rosneft está sendo transportada para águas do Ártico russo.
Executivos de empresas ocidentais de óleo e gás estudam com seus advogados o impacto das sanções. Não está claro quais tipos de equipamentos ou softwares as empresas podem ser proibidas de usar na Rússia.
"A tecnologia é uma coisa muito difícil de definir", falou Dudley, da BP. "Vamos ter que ler o texto muito atentamente."
Ele disse também que não está claro se a BP vai poder levar adiante um empreendimento de óleo de xisto com a Rosneft, para o qual as duas empresas fecharam um acordo preliminar este ano. Exxon Mobile, Shell e Total também têm empreendimentos na área do xisto na Rússia.
Enquanto as empresas avaliam a situação, o futuro energético da Rússia permanece no limbo.
A Rússia disputa com a Arábia Saudita a condição de maior produtora de petróleo do mundo e perdeu apenas para os Estados Unidos ressurgente na produção de gás natural no ano passado. Mas seus campos petrolíferos tradicionais na Sibéria ocidental, que sustentam sua produção há anos, estão em declínio.
Para evitar mais quedas em sua produção, o setor petrolífero russo, que ainda não está plenamente modernizado, precisa de acesso à tecnologia ocidental, para que as petrolíferas possam atuar em águas oceânicas de mais de 1.600 metros de profundidade ou extrair óleo de xisto. Essa tecnologia é a principal razão pela qual a Rússia buscou a ajuda de grandes empresas petrolíferas globais como a Exxon Mobil, que está produzindo óleo ao largo da ilha de Sacalina, na Rússia oriental.
"Se as novas sanções permanecerem em vigor por muitos meses ou anos, terão impacto sobre a capacidade russa de ampliar ou mesmo conservar sua produção petrolífera", disse Richard Mallinson, analista da Energy Aspects, firma de pesquisas com sede em Londres.
Possivelmente a maior esperança russa de aumentar sua produção no curto prazo está na extração de óleo de xisto. Considera-se que a Rússia possui um potencial vasto, embora não tenha sido confirmado.
Mas as ações mais recentes do Ocidente miram o gás de xisto. Qualquer esforço de explorar essas formações de xisto será retardado se as sanções impediram empresas de serviços, como a Halliburton, de exportar tecnologias como a do fraturamento hidráulico e perfuração horizontal, que transformaram o setor energético norte-americano.
Os processos são, em sua maioria, versões altamente adaptadas de práticas que já existem há décadas, como o fraturamento hidráulico, ou bombeamento de água e outros líquidos em poços sob alta pressão para liberar o óleo e o gás encerrados nas rochas em volta. Alguns analistas dizem que as tecnologias de xisto podem ser difíceis de bloquear por meio de sanções porque, basicamente, são adaptações de técnicas que já existem há dezenas de anos.
Os analistas dizem que pode ser mais difícil limitar os equipamentos para perfurações no Ártico e em grandes profundidades oceânicas. A União Europeia pretende proibir não apenas a venda, mas também a transferência para a Rússia de máquinas e plataformas de perfuração especialmente adaptadas, revelou um funcionário que deu um briefing a jornalistas sobre detalhes das sanções.
O funcionário estimou que a Rússia depende da União Europeia para entre 30% e 60% dessas tecnologias. Embora elas representem apenas €150 milhões em vendas anuais, são cruciais para projetos que valem bilhões de euros.
Tradução de CLARA ALLAIN
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