Embaixador iraquiano cobra caças prometidos pelos americanos
O embaixador do Iraque no Brasil, Adel Mustafa Kamil AlKurdi, tem duas reclamações dos Estados Unidos, aliados decisivos no combate ao Estado Islâmico (EI), que vem conquistando importantes cidades iraquianas.
Segundo AlKurdi à Folha, o acordo estratégico que previa o desenvolvimento econômico iraquiano "até agora não funcionou e, mesmo no combate ao EI, ainda não chegaram os caças F-16 que compramos para a Força Aérea. É fundamental para nós".
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Folha - Analistas no Brasil avaliam que os EUA têm grande responsabilidade na atual crise no Iraque, porque não construíram nada. Concorda?
Adel Mustafa Kamil AlKurdi - Acho que os EUA têm ainda um grande papel, militar e com apoio do Exército do Iraque, para ajudar a acabar com a crise, com essa ameaça terrorista [do EI].
A intervenção militar dos EUA em 2003 não deveria ter sido acompanhada de infraestrutura, tecnologia e educação?
Sim, claro, até porque isto é parte do acordo estratégico entre Iraque e EUA.
Não funcionou?
Até agora não, apesar dos reiterados pedidos do Iraque, e, mesmo no combate ao EI, ainda não recebemos os caças F-16 que, conforme os acordos assinados, nós compramos para nossa Força Aérea. É fundamental para nós.
Qual a situação no Iraque neste momento?
Politicamente, o novo primeiro ministro está empenhado na formação do governo de coalização política. Em termos militares, as forças de mobilização populares, as forças do Curdistão e o Exército iraquiano conseguiram neste mês estancar as ações do EI e paralisar o avanço deles. Está chegando a um fim.
Pedro Ladeira/Folhapress | ||
O embaixador do Iraque no Brasil, Adel Mustafa Kamil AlKurdi, durante entrevista na sede da embaixada, em Brasília |
O antigo primeiro ministro vai aceitar deixar o cargo? E o novo, vai realmente fazer um governo de coalizão, como defendem os EUA?
O novo ministro tem um mês, pela constituição, para formar o seu governo e existem algumas coalizões sunitas que apoiam o governo Al Maliki, como existem algumas coalizões xiitas que não apoiam. Acrescente-se a isso que os sunitas já têm 91 assentos no Parlamento, a presidência do Congresso e ministérios, inclusive o da Fazenda e, interinamente, o da Defesa.
As forças dos EUA atuam autonomamente ou em coordenação com as forças do Iraque?
Com certeza atuam coordenadas. Há uma aliança liderada pelas Forças Armadas iraquianas que inclui forças do Curdistão e os ataques aéreos norte-americanos. Há coordenação nos procedimentos técnicos e, além disso, os EUA enviaram conselheiros militares ao Iraque para levar recomendações e conselhos aos líderes militares iraquianos.
Do ponto de vista de Bagdá, os EUA poderiam fazer mais?
Há uma possibilidade de os EUA darem uma ajuda maior, de acordo com as capacidades que eles têm nas áreas de inteligência, estratégia, tecnologia.
Como Bagdá vê a aproximação dos EUA com o Curdistão, inclusive tratando a capital Irbil como região independente?
Os EUA apoiam sempre um ambiente cordial e cooperativo entre o governo do Curdistão e o governo de Bagdá. Na última crise, os EUA anunciaram a necessidade de um Iraque unificado, sem movimentos separatistas do Curdistão, porque isso não iria ajudar nem o país nem os cidadãos, curdos ou não.
Como o Iraque, em tão pouco tempo, perdeu até Mossul para o EI? O que faltou?
As forças de segurança interna se retiraram para suas casas, deixando um vazio, o que motivou os grupos terroristas, que conseguiram o que conseguiram sem luta, sem batalha. Depois, o Exército se reestruturou, uniu a forças populares e paralisou o movimento terrorista.
Há risco de genocídio de cristãos e de yazidis?
Sim, há um risco real e não apenas para as minorias de cristãos e de yazidis, mas também de xiitas, e 1.700 alunos da Força Aérea foram degolados na base de Tigrit. Existem vídeos e fotos nas redes sociais, testemunhas e relatórios da ONU e de entidades de direitos humanos dizendo que 500 mulheres cristãs e yazidis foram vendidas como escravas. Há inclusive fotos de uma mulher morta que foi estuprada, arrancaram seus seios e enfiaram uma cruz na sua boca. Além disso, sofreram também muito os xiitas de Tal Afar e outras minorias. Não podemos permitir que isso aconteça nem com as minorias cristã e yazidis, mas o que me surpreendeu é que, quando outras minorias sofreram a mesma coisa, ninguém falou nada.
Há cooperação entre Iraque e Irã contra o EI?
A fronteira entre Iraque e Irã é de mais de 1.100 km, os dois países têm boas relações e a questão do terrorismo preocupa a todos e suas consequências podem afetar toda a região. Por isso, a prevenção é fundamental.
E entre Iraque e Síria, mesmo o Bashar al Assad sendo inimigo dos EUA?
A lógica diz que sim, é uma questão de interesse mútuo dos dois países, porque os dois estão sofrendo ameaças terroristas.
Qual a expectativa de Badgá em relação ao Brasil no atual conflito com o EI?
O Iraque tem um longo histórico de relações com o Brasil em vários setores, na agricultura, na indústria, no comércio, e o Brasil enviou um representante a Bagdá, há três semanas, para ver in loco o que está ocorrendo. Foram reuniões importantes e produtivas para consolidar as relações e propostas de cooperação.
Só econômica ou também política?
Há também uma coordenação de posições políticas entre os dois países. Estamos em fase de preparar memorandos.
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