Análise: Brasil arrisca sua imagem na África com práticas neocoloniais
Pouca atenção tem sido dada ao fato de que a presença diplomática e empresarial do Brasil na África estão ligadas e às implicações desta interconexão para a imagem do Brasil naquele continente.
Nos governos Lula, o Estado brasileiro abordou a relação com África sob o prisma de um ideal de solidariedade que enfatizava as raízes históricas e culturais entres os povos e os benefícios de uma maior integração econômica entre países do hemisfério Sul. Esse ideal político desenhado pelo Itamaraty e encarnado pelo presidente dependia em grande parte da expansão das multinacionais brasileiras.
Mas a narrativa de um Brasil apresentado como país fundador de relações mais equilibradas e igualitárias com a África perdeu força depois do governo Lula. Com a falta de recursos do Itamaraty para atingir as metas definidas pelo próprio governo, o setor privado assumiu o comando das relações com países africanos. Desde então, a ponte da solidariedade erguida pelo Estado passou a ser atravessada em grande parte por multinacionais.
Hoje, a presença brasileira na África é essencialmente extrativa. Segundo um relatório de 2012 do instituto britânico Chatham House, 90% das importações brasileiras da África eram de petróleo e outros recursos naturais.
Isso expõe o Brasil ao risco de ser visto pelos seus parceiros africanos como mais um dos países com práticas neocoloniais, envolvido na reprodução de hierarquias econômicas globais. Outras potências, em particular a China, também atravessam um momento semelhante.
Mas enquanto as análises sobre os erros da China na África levaram o governo de Pequim a reconsiderar a sua estratégia africana, no Brasil, o debate crítico está paralisado. Inicialmente proposta como um ideal de emancipação, a solidariedade está se transformando numa forma de neo-Lusotropicalismo, o conceito elaborado por Gilberto Freyre que o regime salazarista recuperou para colorir a realidade colonial portuguesa.
A ruptura com essa lógica passa pela outorga à diplomacia brasileira de meios equivalentes aos dos corpos diplomáticos de outros países: um organismo de alocação de ajuda externa. A Agência Brasileira de Cooperação deveria fazer com as diferentes iniciativas ministeriais o que o Programa Bolsa Família fez com os vários programas sociais precedentes: centralizar, sistematizar e monitorar.
Os empréstimos do BNDES deveriam ser submetidos a um parecer da Secretaria dos Direitos Humanos da presidência da República. Para corresponder às expectativas que muitos africanos nutrem para com a cultura e o desenvolvimento nacional, o Estado brasileiro teria que alinhar o discurso de solidariedade às práticas de financiamento público, investimento privado e cooperação.
Mathias de Alencastro é doutorando em política e pesquisador do St Antony's College, na Universidade Oxford.
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