Precisamos devolver a soberania ao povo francês, diz Marine Le Pen
Enquanto a França atravessa uma de suas piores crises político-econômicas do último meio século e o presidente François Hollande bate recordes de impopularidade, a Frente Nacional (FN), principal partido de extrema-direita do país, avança.
Pesquisa realizada há cerca de um mês indicou que, se as eleições presidenciais de 2017 fossem hoje, a atual presidente do partido, Marine Le Pen, ficaria à frente no primeiro turno e bateria o socialista Hollande no segundo.
Por anos, o partido foi chefiado pelo pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, que ficou em segundo lugar nas eleições presidenciais de 2002. Sob a liderança da filha, a FN elegeu no fim de setembro, pela primeira vez na história, dois senadores, e obteve 25% dos votos na última eleição para o Parlamento europeu.
À Folha Marine Le Pen defendeu programa radical de combate à imigração e disse que a única solução para a situação econômica é o protecionismo. Pediu ainda suspensão de ligações aéreas entre França e países africanos mais afetados pelo ebola.
Stephane de Sakutin/AFP | ||
Marine Le Pen, presidente da Frente Nacional, principal partido de extrema-direita da França |
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Folha - Os resultados das urnas e a crescente popularidade da Frente Nacional podem virar chances concretas de que o partido vença a eleição presidencial em 2017? Estaria, como disse o primeiro-ministro socialista Manuel Valls, "às portas do poder"?
Marine Le Pen - Sim, acredito. Nas próximas presidenciais devemos nos confrontar com duas grandes escolhas. Ou continuamos no caminho da globalização, do Estado sem fronteiras, da concorrência internacional desleal, ou retomamos a via da nação protecionista nos aspectos econômicos, culturais e territoriais, que é o que defendemos. As escolhas que foram feitas em matéria econômica e política nos últimos 30 anos levaram à França à situação em que está hoje. Se continuarmos nesse caminho, vamos desmoronar e perder todos os progressos que fizemos nos últimos cem anos.
Em 2002, a FN chegou ao segundo turno, mas acabou derrotada pelo ex-presidente Jacques Chirac. Por que seria diferente agora?
A situação evoluiu profundamente nos últimos 12 anos. A FN não sofre mais a mesma demonização que sofria. Em 2002, estávamos só há alguns anos do início da implementação dessa máquina destruidora que é a União Europeia. Hoje, os franceses têm quase 15 anos de distância em relação a essa experiência que nos fez de cobaias de uma política que se mostrou desastre absoluto.
O que a sra. chama de demonização se deve a uma mudança na percepção do eleitorado ou ao fato de a senhora não compartilhar da mesma ideologia de seu pai, conhecido por posições mais extremas?
Não falaria de diferença ideológica. Mas, a partir do momento em que substituí meu pai na presidência do partido, muita gente se deu conta de que a caricatura que faziam da Frente Nacional era muito distante da realidade. Além do mais, nosso partido é sintonizado com os problemas reais da sociedade.
Quais são as diferenças entre os programas econômicos de Hollande, do Partido Socialista [centro-esquerda], e do ex-presidente Nicolas Sarkozy, da União por um Movimento Popular [centro-direita]?
Quando os chamamos de UMPs, é porque não há diferença ideológica entre os dois. A realidade é que não temos mais um presidente da França. Temos um representante europeu. Dirigentes que, todos os meses, buscam instruções junto às autoridades europeias pra aplicá-las a nosso país sem levar em conta o interesse nacional. Damos o mesmo remédio a Alemanha, França, Itália, Portugal e Espanha. Mas esses países não sofrem da mesma doença, e a melhor maneira de matar o doente é dar a ele o medicamento errado.
Qual seria o remédio para a crise política atual na França?
Precisamos devolver a soberania ao povo francês. Somos nós que devemos decidir quem entra em nosso país, quem pode se manter aqui e sob que condições. Devemos retomar nossa moeda [o franco foi substituída pelo euro em 2002], pois a moeda nacional não é só instrumento de poder, mas de liberdade.
Quero implementar o "patriotismo econômico". Quero poder dizer às multinacionais que elas têm direito de vender produtos aqui desde que sejam fabricados aqui. Quero que as empresas francesas possam ter acesso prioritário às licitações públicas, que devem servir para criar empregos para os franceses e não para romenos, búlgaros ou chineses.
Por que considera que a imigração é um perigo?
A França não pode mais acolher esse fluxo massivo de imigrantes. Temos taxas de desemprego elevadas, grande deficit no nosso sistema de proteção social, problemas de moradia e um sistema de saúde que não suporta mais atender todas as pessoas que chegam ao país. Devemos ser mais bem servidos em nossa própria casa. Essas pessoas que vêm à França têm outro lar, outro país. Um francês não tem outra casa. Hoje, 200 mil imigrantes legais entram na França por ano. Queremos reduzir esse número para 10 mil em cinco anos.
Os muçulmanos e o crescimento do islã são ameaças?
A ameaça hoje para a França é o crescimento do radicalismo islâmico. Durante anos, o Estado alimentou esse fundamentalismo com um sistema perverso que considerava "islamofóbico" qualquer um que criticasse a radicalização do islã.
Por que se recusa a definir a Frente Nacional como um partido de extrema direita?
O termo é utilizado de maneira pejorativa há anos, não corresponde à realidade. Se fôssemos de extrema direita, defenderíamos Estado menos forte, mais abertura comercial, mais liberalismo. É o contrário. Nessa categoria indefinida que é a extrema direita, vamos encontrar todas as porcarias da história, como nazismo, Ku Klux Klan e Anders Breivik [radical norueguês que cometeu um massacre de estudantes em 2011].
Por que a sra. defende que voos entre a França e países africanos afetados pelo ebola devam ser suspensos?
Isso é urgente. Devemos também suspender a importação de alimentos vindos desses países. Um estudo americano publicado no final de setembro dizia que podemos reduzir em 50% o risco de contaminação suspendendo as ligações aéreas. Hoje, 300 pessoas chegam por dia na França vindas dos países mais afetados pela epidemia. Você se dá conta do risco que corremos? Não tem nenhum sentido manter essas ligações aéreas.
RAIO-X
MARION ANNE PERRINE LE PEN
NASCIMENTO
5 de agosto de 1968
FORMAÇÃO
Advogada
CARREIRA
Deputada do Parlamento Europeu desde 2004
Presidente da Frente Nacional desde 16 de janeiro de 2011, em substituição a seu pai, Jean-Marie Le Pen
No primeiro turno das eleições presidenciais de 2012, ficou em terceiro lugar, com 18% dos votos
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