Para vencer, republicanos lidaram com extremistas do partido nos EUA
Era o final do segundo trimestre, e os líderes republicanos sabiam que, se desejassem conquistar o Senado, precisavam esmagar o inimigo: não os democratas, mas os rebeldes em suas fileiras.
E Chris McDaniel, pré-candidato ao Senado no Mississipi, tinha um histórico de declarações sexistas e imprudentes em termos raciais, e era um problema.
Membros do partido como Scott Brown, candidato a senador por New Hampshire, procuraram o Comitê Nacional de Campanha Republicano para o Senado e se queixaram de que, se McDaniel não fosse detido, sua queda arrastaria todo o partido.
Estrategistas na sede do comitê, em Washington, imaginavam um cenário de pesadelo no qual os democratas poderiam caricaturar todos os candidatos republicanos como "pequenos McDaniels".
Rob Collins, o diretor executivo do comitê, convenceu doadores complacentes a aderir a esse esforço, enviando-lhes gravações de algumas das declarações mais incendiárias de McDaniel e persuadindo-os a bancar uma forte campanha de estímulo aos eleitores para desbancá-lo.
Em junho, a liderança do partido conseguiu –por margem baixa– derrotar McDaniel, o que representou um ponto de inflexão em seu esforço persistente para expurgar os extremistas do partido e retomar o controle do Senado.
O impressionante desempenho republicano na eleição da terça-feira –que propiciará ao partido o controle da Câmara e do Senado ao mesmo tempo pela primeira vez desde 2006– foi resultado de trabalho metódico, seleção cuidadosa de candidatos e abundante preparação para garantir que os candidatos evitassem os erros devastadores que custaram tão caro ao Partido Republicano em 2010 e 2012.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
"Você coloca seus melhores jogadores em campo em novembro, evita fazer qualquer coisa que cause a impressão de que não somos adultos o bastante para governar, e espera que a onda seja forte", disse o senador Mitch McConnell em entrevista em março, não muito depois que os republicanos conquistaram uma vitória importante ao convencer o deputado federal Cory Gardner, do Colorado, um dos mais fortes candidatos nessa eleição, a disputar o Senado.
Em entrevistas, mais de duas dúzias de legisladores e estrategistas descreveram seus meticulosos esforços.
Pouco foi deixado ao acaso. Operadores republicanos enviaram falsos seguidores de campanhas –estagiários e membros de suas equipes, todos armados de câmeras de vídeo– para acompanhar os candidatos.
Em sessões de treinamento para a mídia, os candidatos foram forçados a assistir vídeos com os momentos mais autodestrutivos da campanha de 2012, quando os comentários de Todd Akin e Richard Mourdock sobre raça e gestação ajudaram a afundar o partido.
Outros fatores afetaram o resultado, é claro. A eleição aconteceu sob talvez o clima político mais favorável aos republicanos desde a década de 80.
Perturbações no cenário interno e no internacional - os problemas no site do novo sistema federal de saúde, as decapitações no Oriente Médio, o influxo de crianças imigrantes pela fronteira com o México e um vírus descontrolado na África - ajudaram a inclinar a balança na direção dos republicanos.
Os democratas batalharam até o último minuto para evitar a derrota nas disputas mais competitivas, uma tarefa quase impossível dada a baixa aprovação ao presidente Barack Obama e a cascata de más notícias, inimaginável quando o partido estava vivendo seu momento alto, pouco mais de um ano atrás, como efeito dos tropeços republicanos ao forçar uma paralisação do governo federal.
"Neste ciclo eleitoral, não houve um momento em que pensássemos que era impossível perder", diz Guy Cecil, diretor executivo do Comitê Nacional de Campanha Democrata para o Senado. "Por outro lado, não houve um momento em que imaginássemos não poder vencer", ele acrescentou, insistindo em que o plano do partido era o correto. "Os resultados eleitorais tendem a declarar gênios e fracassados, mas não tenho qualquer dúvida de que seguimos a estratégia certa".
RENASCIMENTO REPUBLICANO
Ainda que a geografia e as tendências históricas favorecessem os republicanos este ano, era difícil encontrar otimismo entre os fiéis do partido e seus doadores, no começo de 2014, dados seus péssimos resultados em 2010 e 2012.
"A maioria dos ativistas republicanos estava desencorajada pela falta de sucesso nos ciclos eleitorais recentes", reconheceu o senador Jerry Moran, do Kansas, presidente Comitê Nacional de Campanha Republicano para o Senado. "O número de pessoas com que foi preciso conversar e convencer de que fazia sentido apoiar a causa foi imenso. Começamos em um ambiente muito desafiador, no qual as pessoas estavam simplesmente desiludidas".
Mas depois de uma sucessão de aposentadorias da parte dos democratas –entre as quais o do senador Tom Harkin, de Iowa– e do recrutamento de candidatos fortes como Gardner, no Colorado, e Brown, em New Hampshire, o partido começou a reconstruir sua credibilidade.
Os líderes do partido conseguiram tirar do caminho insurgentes como McDaniel e Liz Cheney, filha do ex-vice presidente Dick Cheney, que planejava disputar com o senador Michael Enzi, do Wyoming, a candidatura do partido ao Senado, sob a alegação de que ele não é suficientemente conservador.
É claro que esse esforço agressivo da liderança do partido causou ressentimentos. Os senadores republicanos relatam telefonemas irados de Cheney para se queixar das críticas a sua filha.
E houve momentos em que os ganhos republicanos pareciam estar sob ameaça. McConnell se abalou no mês passado quando os democratas promoveram uma campanha publicitária agressiva contra ele no Kentucky.
O senador via a ameaça como tão séria, diz um assessor, que, enquanto viajava pelo Estado em sua picape de campanha, começou a vasculhar os relatórios da Comissão Eleitoral Federal em busca de doadores que ainda não tivessem contribuído para sua campanha com o máximo valor permitido.
Mas no final, a abordagem disciplinada funcionou: nenhum candidato republicano implodiu com gafes de campanha fatais como as que destruíram as esperanças do partido nas duas últimas eleições. Todos os candidatos apoiados pela liderança venceram suas primárias.
Os republicanos atribuem o crédito por isso ao seu rigoroso programa de treinamento. Os falsos seguidores de campanhas chegaram a apanhar candidatos de surpresa no aeroporto, quando eles chegavam a Washington para suas reuniões com dirigentes do Comitê de Campanha Nacional Republicano para o Senado, que por sua vez os forçavam a assistir os vídeos resultantes.
"Não ensinamos a eles o que acreditar", disse Collins, o diretor executivo do comitê. "Só os ensinamos como falar, como dizer as coisas quando as câmeras estão apontando para eles".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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