Não há herói na morte de Bin Laden, diz agente que participou de operação
Três anos após a morte de Osama bin Laden, apenas dois militares envolvidos na ação vieram a público para contar detalhes da operação, e eles se contradizem num ponto fundamental: sobre quem, de fato, matou o líder da Al Qaeda.
Nos últimos dias, o ex-seal (tropa de elite da Marinha americana) Robert O'Neill sustentou, a redes de TV americanas, ter sido o autor do disparo que matou o terrorista.
A versão difere da publicada por Matt Bissonnette no livro "Não Há Dia Fácil", de 2012, na qual Bin Laden teria sido atingido na cabeça pelo batedor à frente do grupo –que permanece anônimo.
À Folha, por telefone, Bissonnette –que usa o pseudônimo de Mark Owen– criticou o ex-colega, disse que seals "não são heróis" e defendeu que "não importa quem apertou o gatilho".
Bissonnette, que confidencia ter medo de altura, mas não quis revelar sua real idade ("estou na casa dos 30"), lançou seu segundo livro, "Não há heróis", ainda sob o pseudônimo, na última semana nos EUA. No Brasil, a publicação chegará em março de 2015, pela Editora Paralela.
Reprodução/Video | ||
Matt Bissonnette aparece com disfarce em entrevista à CBS em 2012 |
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Folha - Por que o sr. decidiu escrever 'Não há 'heróis'?
Matt Bissonnette - Eu fui seal por 14 anos, só fiz isso na minha vida. Então, quando eu saí da Marinha, tive que me reinventar e percebi que poderia compartilhar as lições que aprendi com os seals com a nova geração. Quem sabe as pessoas possam ver que a realidade dos seals não tem nada a ver com a visão de Hollywood. Nem eu nem meus amigos nunca fizemos o que fizemos para sermos heróis. Eu fico com vergonha quando alguém me aplaude ou me agradece pelo que fizemos. Eu só estava fazendo o meu trabalho.
Mas o sr. não se sentiu um herói nem mesmo após a missão que matou Bin Laden?
Como eu poderia me sentir um herói naquela situação, quando havia tanta gente envolvida? Éramos uma equipe.
Isso é uma resposta às declarações de O'Neill, que veio a público dizer que matou o líder da Al Qaeda?
Quando eu falo sobre essa missão, eu sempre falo sobre a equipe. Não é sobre uma pessoa. Eu não acho que a discussão tenha que ser sobre quem apertou o gatilho que matou Bin Laden. Não tenho ideia porque ele apareceu com seu nome e seu rosto reais agora.
Me preocupa que estejam me comparando a ele, porque nós dois demonstramos a vontade de contar a história, mas eu estou fazendo isso de uma outra forma, tirando o foco de mim, e entendo que estou fazendo da maneira certa. Eu usei um pseudônimo e, se você me vir no "60 Minutes" [programa da CBS, de 2012], eu usei um disfarce porque eu não queria o meu rosto lá.
Em 'Não há dia fácil', o sr. diz que o atirador à frente acertou Bin Laden quando ele apareceu à porta. Quando entrou no quarto, o sr. logo reconheceu Bin Laden como a pessoa deitada no chão?
Sim, foi possível reconhecê-lo logo. Ele já estava morto.
Mas em seu livro o sr. diz que disparou contra ele. Então atirou em Bin Laden já morto?
Há rumores e especulações de que todos nós ficamos ao lado do corpo e atiramos nele e isso é absolutamente falso.
Essa versão também contradiz a sua primeira, de que Bin Laden estava à beira da morte e se contorcia' quando entraram no quarto.
O livro é o que está lá e eu sustento tudo o que publiquei, mas eu não gosto de falar sobre a ação específica.
Outra polêmica de seu livro é que o sr. narra que teria sentado sobre o corpo de Bin Laden.
Estávamos num helicóptero muito pequeno e havia muitos de nós. Nós praticamente sentamos uns em cima dos outros. Mas a ideia de que o corpo foi tratado de forma desumana é completamente errada.
Quando terminou a ação, o que o sr. pensou?
Em toda a minha carreira de seal. Tudo o que eu tinha feito até ali, todas as minhas missões anteriores.
O sr. não pediu autorização para publicar seu livro. Considera ter quebrado um código de conduta?
Quando eu soube que o Leon Panetta [então diretor da CIA] tinha autorizado um filme sobre a ação e que o presidente Obama tinha dado entrevistas, eu quis contar a minha história. Fui atrás de um advogado para fazer a coisa da forma certa, mas segui um mau conselho. Agora enviamos o "Não há heróis" para revisão pelo governo e mantivemos as tarjas pretas sobre o que foi censurado.
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