Estado Islâmico e sírios não se surpreendem com tortura da CIA
Nos sinistros vídeos de propaganda produzidos pelos jihadistas do Estado Islâmico, seus prisioneiros ocidentais são vistos –antes de ser decapitados– trajando macacão cor de laranja, como os uniformes vistos em cenas da prisão americana de Guantánamo.
A mensagem é evidente: que aquilo que os americanos fizeram com combatentes muçulmanos será feito com americanos e britânicos que caem nas mãos destes.
As recentes revelações sobre torturas e abusos cometidos pela CIA na esteira dos ataques do 11 de Setembro de 2001 não constituem novidade para o EI, a Al Qaeda ou outros grupos extremistas islâmicos.
Mas elas foram imediatamente incorporadas à narrativa sobre a crueldade dos "cruzados" –e poderão ser usadas para justificar o emprego de métodos semelhantes e para promover recrutamento.
"Leia [o relatório do Senado], meu irmão, e enfie seu sapato na boca de quem diz que o Estado Islâmico distorce o islã", tuitou um partidário do Estado Islâmico. Outro, sírio, escreveu: "Ser decapitado é cem vezes mais digno e compassivo que o que esses sujos desprezíveis fazem com muçulmanos."
Um destacado estudioso islâmico radical, Hani al-Sibaei, comentou: "Políticos americanos consideram o relatório sobre tortura de detentos muçulmanos pela CIA algo que envergonha a América! Malditos sejam vocês (americanos)! Sua história inteira é uma mancha no rosto da humanidade."
AFP | ||
Imagem de vídeo em que o refém britânico David Haines é decapitado por um membro do EI |
Nabi Naim, um ex-líder jihadista egípcio, anunciou que está disposto a reunir uma força de 10 mil homens-bomba para atacar a América. O próprio EI não deu nenhuma resposta oficial.
O EI justifica suas ações com a doutrina conhecida como "administração da selvageria" –massacres, decapitações e outras atrocidades, além da limpeza étnica de yazidis, curdos e xiitas.
"Tal selvageria pode parecer sem sentido", comentou o estudioso do Oriente Médio Fawaz Gerges, "mas, para o Estado Islâmico, parece ser uma escolha racional que visa semear o terror entre seus inimigos e impressionar potenciais recrutas."
As reações ao relatório do Senado nas mídias sociais no mundo árabe refletiram a condenação do comportamento americano e da cumplicidade de governos árabes, vistos como o "inimigo próximo" pela nova geração de jihadistas transnacionais.
"Muitos árabes tolos estão indignados com o relatório sobre torturas da CIA. Esqueceram seus próprios governos árabes e como os estão torturando", foi um comentário.
Um liberal egípcio perguntou: "Aqueles que estão perturbados com o relatório de torturas da CIA vão ficar igualmente incomodados quando relatos mostrarem como países árabes ajudaram a facilitar a tortura?".
O fato é que a tortura é empregada comumente na região, sendo essa a razão pela qual a CIA usou instalações no Egito, Síria, Jordânia, Marrocos, Arábia Saudita e Argélia, tendo todos os nomes dos locais sido cortados do relatório do Senado.
Jihadistas que retornaram da Síria à Tunísia alegaram ter sido torturados num centro de interrogatório operado pela polícia nacional.
Jihadistas egípcios que apareceram inicialmente na década de 1980 e depois formaram o núcleo da Al Qaeda frequentemente citam o uso de tortura como fator que contribuiu para sua radicalização.
"Os traiçoeiros Al Saud abriram suas prisões à CIA para que sunitas fossem torturados", comentou um dissidente saudita. A atuação do Marrocos atraiu atenção de comentaristas do norte da África.
Outro sírio comentou: "Árabes, deixe-me explicar: sim, este tipo de 'tortura light', privação de sono/temperatura fria é considerado uma coisa grave nos países civilizados."
O usuário do Twitter RamiAILolah postou uma foto do presidente sírio, Bashar Assad, sorridente, com a legenda: "Assad depois de ler o relatório #CiaTorture: vocês não sabem merda nenhuma sobre tortura!"
Majid Nawwaz, da Fundação Quilliam, especializada em contra-radicalização, disse: "Revelações sobre tortura cometida pela CIA fazem uma diferença, sim, porque se somam aos ressentimentos. Não são os únicos fatores que contribuem para a radicalização, mas não deixam de ser importantes como fator, especialmente pelo lado da propaganda política. Não importa que o EI seja muito pior, porque parte do argumento islâmico é que eles não afirmam acreditar nos direitos humanos. Eles dizem 'vocês no Ocidente são hipócritas'."
Tradução de CLARA ALLAIN
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