Parque de Paris foi 'berço' de jovens islâmicos radicais
Quando soube pela televisão que Chérif Kouachi era, ao lado do irmão Said, um dos autores do ataque contra o jornal "Charlie Hebdo", o advogado francês Dominique Many tomou um susto.
"Foi um choque, porque era a mesma pessoa que havia encontrado pela última vez em 2008, no tribunal", disse, em entrevista à Folha.
O advogado atuou como defensor público no processo sobre o desmantelamento do chamado "grupo do Buttes-Chaumont", nome de um parque de Paris onde jovens se encontravam entre 2003 e 2005 com o objetivo de enviar voluntários ao Iraque para lutar pela Al Qaeda contra a invasão americana.
O movimento é considerado um dos primeiros do tipo na França. O parque fica num local charmoso, mas pouco frequentado por turistas.
Ali, Chérif Kouachi aprendeu as primeiras lições de extremismo e jihadismo.
O seu mentor era Farid Benyettou, que já recebera influência extremista de um cunhado preso por ligação com plano de ataque à Copa do Mundo de 1998, na França.
Charles Platiau/Reuters | ||
Frequentadores tomam sol no parque Buttes-Chaumont, em Paris |
Em 2005, os principais membros do "Buttes-Chaumont" foram presos, entre eles Kouachi e um amigo de infância, Thamer Bouchnak.
A ideia das autoridades era desmontar uma célula com potencial de atos terroristas. Ao que parece, o plano não funcionou direito: se no parque deram os primeiros passos nesse sentido, foi na prisão, ao menos no caso de Chérif, que veio a "graduação".
De janeiro de 2005 a outubro de 2006, Kouachi ficou preso na penitenciária de Fleury-Mérogis, onde conheceu Djamel Beghal, condenado em 2001 por planejar ataque à embaixada norte-americana em Paris.
"Chérif se tornou muito mais perigoso, violento. A prisão o deixou pior porque teve contato com radicais", diz o advogado Many, que atuou oficialmente como defensor de Thamer Bouchnak.
A estimativa é que entre 60% e 70% dos detentos na França sejam muçulmanos. Segundo a mídia francesa, o serviço de inteligência já detectou pelo menos 200 radicais presos que precisam ser "monitorados".
Em 2008, Chérif Kouachi foi condenado a três anos, mas metade da pena foi atenuada e ele pôde continuar em liberdade por ter cumprido a outra parte entre 2005 e 2006.
Sete anos depois, Chérif e seu irmão Said, 34, mataram 12 pessoas na sede do jornal "Charlie Hebdo", acusado por líderes islâmicos de insultar a religião por satirizar em charges o seu profeta, Maomé. Dois dias depois, os dois foram mortos pela polícia.
'PERFIL DE TERRORISTA'
O roteiro de jovens como Chérif Kouachi indica que não existe fórmula para formação de jovens capazes de cometer atos terroristas.
Mandar suspeitos para a prisão nem sempre parece ser garantia de segurança, como mostra a história de Chérif Kouachi.
Foi na prisão que Kouachi conheceu Amedy Coulibaly, responsável pela morte de quatro pessoas num supermercado judaico de Paris depois do ataque ao jornal satírico francês.
"Os estudos mostram que não existe perfil de terrorista, e é impossível prever quem pode se tornar um. Não há um processo de passos determinados para a radicalização", afirmou à Folha o professor Francesco Ragazzi, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, que concluiu um trabalho sobre radicalização religiosa na França.
Autoridades têm admitido não ser fácil detectar focos ligados a grupos dispostos a atentados como o que abalou Paris. Na sexta-feira (16), Rob Wainwright, chefe da Europol (coordenação das polícias europeias), disse ser "extremamente difícil" prevê-los.
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