Nunca senti tanto medo de chuva, diz membro de ONG sobre ajuda no Nepal
Meu primeiro dia no Nepal começou com uma reunião da equipe no escritório da ActionAid em Katmandu. Sou próximo a pessoas de muitos dos escritórios da ActionAid no mundo, e amigo no Facebook de grande parte da equipe do Nepal, o que significa que também conheço, ainda que virtualmente, muitos de seus companheiros e filhos.
Essa situação tornou o simples ato de perguntar como eles tinham sido afetados pelo terremoto ainda mais difícil.
Reprodução/Twitter/geecologist | ||
O coordenador de campanhas da ActionAid, Tom Allen, em um dos campos de ajuda no Nepal |
Este primeiro encontro já me colocou no estado de alerta necessário para enfrentar a situação.
Revisamos o plano de ação, tendo em vista que agora tínhamos mais gente para ajudar na resposta de emergência e, em algumas horas, teríamos suprimentos de comida, colchões e kits básicos de primeiros socorros chegando em caminhões.
Em seguida, seguiríamos para as comunidades com que deveríamos trabalhar. Assim que voltamos para a rua, nos deparamos com lembretes austeros dos danos do terremoto, vendo por todos os lados edifícios achatados, muros e vias danificadas.
No centro de Katmandu, o Exército e a população local haviam limpado a maioria das estradas, para torná-las pelo menos viáveis, mas era só sair dessas ruas principais para a situação piorar significativamente.
Na nossa primeira parada, eu estava determinado a fazer mais do que a minha parte carregando sacos e caixas.
Não só porque a equipe local estava esgotada após dias de esforços, tanto em suas próprias casas, como com a ActionAid, mas também para tentar tranquilizá-los de que eu seria útil, pelo menos, nesta função.
Eu sou o único membro da nossa equipe de resposta de emergência no Nepal que não fala uma língua local, então eu queria compensar isso com entusiasmo.
Não foi fácil, porém, quando paramos para pegar a equipe da nossa organização parceira local e vi que, no entorno de seu escritório, havia muita devastação, e as pessoas estavam tentando se acomodar nas ruas. A urgência do volume de ajuda ficou muito clara para mim naquele momento.
Com nossos veículos agora carregados de mantimentos e kits de emergência, seguimos em direção a uma comunidade onde a ActionAid trabalha nos arredores de Katmandu.
No meio do caminho, começou uma tempestade e, no momento em que estávamos descarregando suprimentos para a comunidade, havia torrentes de água escorrendo pelas estradas e pelos campos, inundando as áreas onde estavam colocadas as lonas que muitas famílias receberam de abrigo.
A chuva também causou preocupação com o aumento da erosão e o colapso dos edifícios já danificados, e todos começamos a torcer para que ela parasse o mais rápido possível.
A comunidade ficou extremamente satisfeita com os suprimentos que levamos e fez questão de nos levar para ver algumas das ruas mais afetadas.
A comunidade onde estávamos era agrícola e, claramente, muito unida. Com a ajuda de uma colega, conversei com uma moradora. Mas a tradução só foi necessária para as especificidades, já que as emoções eram claras.
Ela nos mostrou a casa de três andares que fica do outro lado da sua na rua onde vivia. Ali, morava uma grande família. A rua inteira foi devastada pelo terremoto, e muitas casas agora eram apenas escombros, mas ela fez questão de nos contar sobre seus vizinhos e amigos que viveram ali por anos.
Reprodução/Twitter/geecologist | ||
Tom Allen, coordenador internacional de Campanhas da ActionAid, em Katmandu, no Nepal |
A parte externa da casa se manteve substancialmente vertical, embora claramente danificada. Mas, ao olhar para dentro, era possível ver que o teto havia desabado e que tudo estava empilhado na parte de baixo.
A moradora me contou que ali viviam três gerações de mulheres, e que todas morreram no primeiro terremoto. Os homens da família estavam cuidando das plantações e estavam fora de casa na hora da tragédia. Eles sobreviveram.
Eu também conheci seus netos. Eles estão no início da adolescência, falam inglês e torcem para o Arsenal. A família me mostrou como estava tentando viver no quintal com vizinhos cujos quintais estavam ainda mais abarrotados de escombros.
Eles estavam cozinhando um alimento qualquer que haviam encontrado em meio a um incêndio, e tentavam descobrir o que fazer depois.
Saí com um nó na boca do estômago, incapaz de entender como tantas pessoas foram afetadas, e como nós seremos capazes de ajudar a todos, mesmo trabalhando com todas as outras agências de emergência.
Precisamos desesperadamente de mais suprimentos para entregar para pessoas que eu sei que estão sofrendo enquanto eu escrevo isto. Eu me sinto mais otimista a cada vez que vejo caminhões vindos da Índia ou aviões chegando dos países vizinhos.
Há muito a ser feito e precisamos ser rápidos, porque a vida de muitas pessoas depende disso. Entregar alimentos acalma a fome em curto prazo, mas estamos trabalhando também para desenvolver soluções a longo prazo, para que as pessoas estejam mais uma vez seguras.
Enquanto escrevo isso, olho pela janela e vejo uma chuva fina caindo. Acho que eu nunca senti tanto medo de que ela possa se transformar em uma tempestade."
TOM ALLEN é coordenador internacional de campanhas da ActionAid, ONG baseada em Londres e que atua no combate à pobreza no Nepal há 30 anos.
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