Repórter argentino que revelou caso Nisman se diz perseguido
Se tivesse uma máquina do tempo, o jornalista argentino Damián Pachter voltaria ao dia 18 de janeiro de 2015. Daria tudo para saber o que realmente aconteceu naquele domingo que transformou sua vida.
Em algum momento, o procurador-geral Alberto Nisman, 51, morreu com um tiro na cabeça, em circunstâncias não esclarecidas, horas antes de apresentar no Congresso conclusões de sua investigação sobre o atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em Buenos Aires, que matou 85 pessoas em 1994.
Mas Pachter, o primeiro a revelar a misteriosa morte, diz não ter muita esperança de descobrir a verdade.
"Vai ser dificílimo saber o que ocorreu. Tudo foi feito para que não saibamos. Passaram quatro meses e nem sequer sabemos a hora exata da morte!", exclamou o repórter à Folha, em Tel Aviv, no dia em que completou 31 anos, traçando a saga que o levou a fugir da Argentina alguns dias depois e chegar em Israel com só uma mochila e US$ 35 no bolso.
Daniela Kresch/Folhapress | ||
O jornalista Damián Pachter, que fugiu para Israel após ter divulgado detalhes da morte de Nisman |
Para o jornalista, que falou pouco nos últimos meses, a Casa Rosada é responsável pela morte, direta ou indiretamente. "Não descarto nada, nem o envolvimento do governo nem do Irã. Mas, por omissão e falha se segurança, o responsável pelo que aconteceu com ele é o Estado", acusa Pachter.
Se a Argentina só tomaria conhecimento na segunda-feira da morte, Pachter soube no próprio domingo por uma fonte estilo "garganta profunda". Às 23h35, ele decidiu divulgar a informação, incompleta, no Twitter. "Acabam de me informar sobre um incidente na casa do procurador Alberto Nisman".
Foi o suficiente para dar início a uma onda de rumores. À 0h38, Pachter foi mais direto num segundo tuite: "Encontraram o procurador Alberto Nisman no banheiro de sua casa de Puerto Madero sobre uma poça de sangue. Não respirava. Os médicos estão lá".
Os detalhes alçaram Pachter ao olho do furacão. Nisman estava mesmo morto, e a Argentina entraria num redemoinho de teorias conspiratórias.
Quatro dias antes, o procurador havia denunciado a presidente Cristina Kirchner por suposto encobrimento de terroristas iranianos. A presidente, o chanceler Héctor Timerman e outros teriam feito uma manobra para encobrir os autores do atentado à Amia em troca de petróleo barato de Teerã.
A denúncia foi rejeitada pela Justiça argentina no dia 20 de abril. "Já esperava por isso", reagiu Pachter. "Mas a opinião continua pensando que Nisman foi assassinado e que o governo, de uma forma ou de outra, teve a ver com isso".
FUGA DA ARGENTINA
Depois do furo, Pachter passou a acreditar que estava sendo perseguido. Segundo ele, circularam informações de que seria agente do Mossad, o serviço de espionagem israelense.
Ele tem nacionalidade israelense porque foi morar no país com sua mãe quando tinha 10 anos. Aos 18, como todo cidadão do Estado judeu, cumpriu serviço militar. Aos 21 anos, voltou à Argentina, onde estudou relações internacionais e jornalismo e trabalhou nas agências BBC e AP, além do jornal "Buenos Aires Herald".
Uma fonte sugeriu que deixasse a capital por alguns dias. Mas, ao parar numa lanchonete de estrada, julgou estar sendo observado por um tipo estranho. "Tinha óculos ray-ban e jaqueta jeans. Se sentou e não pediu nada. De repente, decidiu se sentar atrás de mim. A fonte assegurou que era um oficial de segurança. Só foi embora depois que tiramos uma foto dele."
Segundo Pachter, seus tuites irritaram o governo porque foram postados na hora em que "estavam trabalhando na cena do crime": "Tentaram montar um suicídio. Minhas informações atrapalharam tudo. Elas tornaram possível que a opinião pública não acreditasse nisso".
O caso do "agente" levou Pachter a pegar no mesmo dia um avião para Israel. Na escala em Madri, viu que os dados de seu voo tinham sido divulgados na conta oficial do governo argentino no Twitter. "Aí tudo se confirmou. Era algo orwelliano, um Big Brother."
Nos últimos quatro meses, Pachter trabalha como jornalista freelance e aluga um quarto em Tel Aviv. "Vivo só com o indispensável", garante. Voltar para a Argentina? "Enquanto este governo estiver no poder, não volto", afirma.
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