Empobrecido, berço kirchnerista vê abandono do governo de Cristina
O segurança Marcos pergunta com ar enfadado quando a repórter lhe pede para ver de perto a estátua do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007): "Tem certeza de que você quer entrar?", diz. "Eu não gosto dele, mas tem gosto para tudo".
Em Río Gallegos, berço do kirchnerismo no sul da Argentina, a estátua do político mais proeminente da província de Santa Cruz fica em uma pequena praça fechada com corrente e cadeado, ao lado de um centro comunitário bancado pelo governo.
Mariana Carneiro/Folhapress | ||
Pichação em propaganda peronista que exalta a figura do ex-presidente Néstor Kirchner |
Convulsionada por uma crise política, que a população atribui à má gestão de aliados da presidente Cristina Kirchner, a capital de Santa Cruz coloca à prova a força do kirchnerismo em sua própria terra natal.
Isso não seria uma questão nacional, não fosse a decisão de Máximo Kirchner, 38, herdeiro do casal que governou o país nos últimos 12 anos, decidir dar ali os primeiros passos na política. Ele concorrerá a uma vaga de deputado federal por Santa Cruz.
Máximo é o sucessor natural de Cristina, 62, presidente que deixa o cargo em dezembro com elevada aprovação popular.
Há três meses, o funcionalismo municipal de Río Gallegos está em greve. Lixo pelas ruas, manifestações sindicais quase diárias e reclamações dos moradores foram o quadro que a Folha encontrou nos dias que antecederam a decisão de Máximo em se candidatar nestas eleições.
Há quase 30 anos, Néstor Kirchner debutava na política como prefeito da cidade. O mesmo caminho seria inviável hoje para Máximo, dizem moradores e políticos locais. "Máximo tem um sobrenome poderoso, mas as pessoas daqui sabem que, fora isso, é uma pessoa normal. Não é como Néstor", diz a taxista Verónica Chain, que se declara "kirchnerista não-praticante".
DESCONHECIDO
O herdeiro de Cristina é pouco conhecido na cidade. Não faz aparições públicas nem políticas, tampouco se sabe de suas atividades sociais. Circula em uma caminhonete de casa para a imobiliária onde trabalha, no centro da cidade, acompanhado de dois carros de guarda-costas.
"As pessoas sabem que o kirchnerismo não mudou nada em suas vidas. Como berço do kirchnerismo, Gallegos deveria ser um paraíso, mas está um caos", afirma Pablo Fadul, candidato à prefeitura pela opositora União Cívica Radical.
Carlos Brigo/AFP | ||
Máximo Kirchner, filho da presidente argentina, tenta carreira política em Santa Cruz |
Máximo escolheu, então, um atalho para a vida pública. Ele é o primeiro nome na lista fechada de deputados peronistas por Santa Cruz –assim, sua eleição é dada como certa na província.
ABANDONO
Em 2011, o atual prefeito de Río Gallegos, Raúl Cantín, foi eleito pela Frente para Vitória (agremiação da presidente) com a promessa de que o alinhamento com o governador, do mesmo partido, e com a presidente traria prosperidade a Santa Cruz.
Os moradores sonhavam com um projeto energético que aproveitaria o carvão extraído na cidade vizinha de Río Turbio para gerar energia e atrair investimentos. O projeto não deslanchou.
"É lamentável. Somos da cidade da família da presidente e estamos abandonados", queixa-se o sindicalista Ariel Díaz, que trabalha na coleta de lixo de Río Gallegos.
As ruas do centro da cidade estão esburacadas. A escola onde estudou Máximo Kirchner cancelou as aulas após um caso de hepatite e de uma infestação de ratos –que, segundo moradores, vieram com o lixo que se avolumou no terreno ao lado.
Com a saída de Cristina, Río Gallegos teme que o destino prometido caia no esquecimento. "A situação vai se complicar. Não teremos mais o tapete vermelho para a Casa Rosada", diz o sindicalista Pedro Mansilla.
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