Foco governista, província de Buenos Aires tem 37% dos eleitores do país
É impossível usar apenas um rótulo para definir a província de Buenos Aires, território de 307.571 km² e 16 milhões de habitantes que corresponde a 37% dos eleitores de toda a Argentina –e que exclui a cidade de Buenos Aires, com status de província à parte e só 9% dos votantes.
Aí estão as terras do "pampa úmido", entre as mais produtivas do país em termos agrícolas.
Sair da capital em direção ao interior é dar de cara também com suas contradições: extensos campos de golfe e clubes de campo privados convivem com imensas "villas miserias" (favelas), cidades de porte médio e bairros com predominância de imigrantes bolivianos, peruanos e paraguaios.
É neste território, maior reduto eleitoral do país, que se vem travando a mais aguerrida batalha pelo voto nas eleições do dia 25 de outubro.
David Fernández - 10.ago.2015/Efe | ||
O candidato governista da Frente para a Vitória, Daniel Scioli |
Além do próximo presidente, o pleito decidirá também quem será o governador da rica província, que está nas mãos de líderes peronistas desde 1987. O atual é o preferido de Cristina Kirchner para sucedê-la no comando do país, Daniel Scioli.
"O que decidirmos aqui vale para o país", diz Ramón Díaz, num galpão cheio de material de campanha de Scioli, a algumas quadras do estádio do Racing, na cidade de Avellaneda.
Díaz não gosta de ser chamado de "puntero", termo pejorativo pelo qual se conhecem os líderes comunitários como ele que fazem a mediação entre a população e os prefeitos.
"Prefiro que digam que sou um 'referente'. Somos necessários para fazer a ponte com as prefeituras. Apenas negociamos para facilitar vagas para crianças doentes nos hospitais, agilizamos trâmites burocráticos ou trazemos algum alimento que esteja faltando. Nada de violência, e também não direciono voto", afirma.
Nas ruas de Avellaneda, porém, a reportagem ouviu outra coisa sobre os "punteros". "Eles ameaçam, sim. Dizem: 'se não votarem em fulano, perdem os planos'", diz a comerciante María Gaetano.
Em La Matanza, dois jovens que não quiseram se identificar disseram receber 50 pesos (cerca de R$ 20) cada um para ir a comícios em cidades vizinhas.
"Em muitas localidades, os 'punteros' são o único acesso da população ao Estado. São quem negocia a distribuição dos benefícios sociais com os prefeitos. E deles depende o sucesso de um ato público ou até de uma eleição", diz o analista Patricio Giusto.
Marcos Brindicci - 29.jul.2015/Reuters | ||
Cartazes dos candidatos presidenciais Daniel Scioli e Mauricio Macri (no prédio) em La Matanza |
São figuras tão populares que viraram até uma série exitosa na TV aberta local.
Mais de 2 milhões de pessoas assistiram a "El Puntero", em que o ator Julio Chávez interpretava Cigano, um líder de bairro retratado como um Robin Hood urbano: patriota, descrente das instituições e pragmático em suas alianças.
"É difícil precisar como os 'punteros' são pagos, pois não se trata de um salário de um partido ou de um prefeito. O dinheiro que recebem é da participação em negócios que facilitam", diz Giusto.
As ações dos "punteros" e o efeito do clientelismo nas eleições voltaram à tona após a tumultuada eleição na província de Tucumán, em agosto, onde foram apontadas irregularidades como compra de votos e destruição de urnas.
O resultado, favorável ao governista Juán Manzur, ainda não foi confirmado pela Justiça eleitoral, e a província vive dias de protestos com registros de violência.
"Tucumán chamou a atenção para as falhas do sistema eleitoral argentino. Não é só compra de votos e distribuição de bens ao pé da urna, e sim a presença constante de um sistema de poder em torno de chefes locais e que está enraizado há muito mais tempo", diz à Folha a ensaísta Beatriz Sarlo.
No livro "Favores por Votos", o sociólogo Javier Auyero conta que a prática política ligada a um chefe comunitário é do começo do século 20, mas foi institucionalizada nos anos 1940/50, nos dois primeiros mandatos de Juán Domingo Perón (1895-1974).
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Um mundo de muros
Em uma série de reportagens, a Folha vai a quatro continentes mostrar o que está por trás das barreiras que bloqueiam aqueles que consideram indesejáveis