"Plano Papa" transforma Havana, conhecida pela deterioração
As janelas com vista para a Igreja do Sagrado Coração estavam cobertas por jornais amarfanhados. Buracos capazes de engolir uma roda se espalhavam pela rua. A tinta se descascava das paredes em grandes placas.
E então o papa anunciou que visitaria a cidade.
Equipes de operários surgiram como que do nada, nas últimas semanas, consertando os buracos, remendando as paredes e pintando as fachadas em tons pastel de rosa, azul e verde. Em Havana inteira, outros operários plantam palmeiras, limpam o lixo e pavimentam calçadas. Guindastes e caminhões-caçamba reluzentes surgiram como naves espaciais, resolvendo em algumas poucas horas problemas que perduraram por anos.
À medida que se aproximam o sábado e a chegada do papa Francisco, um redemoinho de reforma varre uma cidade conhecida por seu estado deteriorado, o que leva os moradores a sentir gratidão pelos reparos, mas indignação por o governo só deflagrar as forças da renovação quando um papa está a ponto de colocar Cuba sob os holofotes internacionais.
"Pelo menos estamos obtendo algum benefício com a visita do papa, ainda que seja uma vergonha que as coisas só sejam consertadas em ocasiões especiais", disse Carmen Silvano, universitária que vive no centro de Havana, perto da igreja que serve de sede aos jesuítas cubanos.
A mídia estatal pouco teve a dizer sobre os reparos e renovações, mas os cubanos sardonicamente batizaram o esforço de "Plano Papa". Os moradores de Havana contam que ondas semelhantes de reformas precederam a visita dos papas João Paulo 2º, em 1998, e Bento 16, em 2012, mas que as coisas rapidamente voltaram a decair.
Graças às reformas implementadas pelo presidente Raúl Castro, as casas dos cubanos estão sendo reformadas em ritmo sem precedentes, especialmente em Havana, onde as pessoas têm mais acesso a capital estrangeiro e materiais de construção.
Enquanto isso, o governo comunista continua responsável pelos edifícios de apartamentos e suas áreas comuns e pelas velhas mansões divididas grosseiramente entre uma dúzia ou mais de famílias, o que significa, em alguns casos, que problemas simples como uma lâmpada queimada podem passar meses ou anos sem conserto.
Dayron Rivero, assistente social que ganha dinheiro por fora trabalhando como barbeiro, disse que o governo havia prometido reparar o bairro em torno da igreja há anos, mas que as obras não haviam sido realizadas, supostamente por falta de materiais.
"Eles anunciaram a visita do papa, os materiais apareceram e eles pisaram fundo no acelerador para completar os reparos", disse. O edifício em que Rivero mora ainda precisa de substituição de pisos e reparos nas janelas, entre outros consertos.
"Do lado de dentro, os tetos estão em mau estado, mas pelo menos foram pintados e agora a aparência é melhor", ele disse.
A curta distância, no bairro de Playa –região da Nunciatura Apostólica, que hospedará o papa em sua visita a Havana–, buracos e valetas profundos nas ruas foram reparados, edifícios foram pintados de branco reluzente e amarelo, e pilhas de detritos foram removidas das ruas.
Ainda assim, a apenas um quarteirão da Nunciatura, as ruas continuam esburacadas, os detritos não foram removidos e as fachadas desbotadas não mostram sinal de pintura.
"Eu gostaria que o papa ficasse por mais tempo e passasse por todas as ruas da capital", disse Maite Delgado, funcionária pública. "Talvez assim ainda mais coisas fossem consertadas."
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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