Argentina faz 1º debate presidencial desde 1983 sem o favorito
Está previsto para a noite deste domingo (4) um feito inédito na Argentina: o primeiro debate entre presidenciáveis desde a redemocratização do país, em 1983. Cinco candidatos que concorrem à eleição em 25 de outubro aceitaram o convite. O favorito Daniel Scioli, porém, avisou que ficará de fora.
A ausência de Scioli, que representa o legado da presidente Cristina Kirchner, quase pôs em risco o evento, que acadêmicos e ONGs vêm organizando há mais de um ano.
O vice nas pesquisas, Mauricio Macri (PRO), ameaçou não ir, mas confirmou presença no fim desta semana. Além dele, participam Sergio Massa (UNA), Margarita Stolbizer (Progresistas), Nicolás Caño (FIT) e Adolfo Rodriguez Saá (Compromiso Federal).
Iniciativa da ONG Argentina Debate, o confronto argentino "importou" experiências de Brasil, EUA, Chile e Peru.
Do vizinho mais importante, segundo Hernan Charosky, coordenador-geral do evento, foi copiada a troca de perguntas entre candidatos.
A experiência do Brasil ainda inspirou a organização a orientar o mediador a dar protagonismo aos presidenciáveis. O debate será às 21h, na Universidade de Buenos Aires, e vai durar duas horas.
Algumas redes de TV que haviam se comprometido com o evento cancelaram a transmissão após Scioli desistir.
Para analistas, o confronto perde relevância, uma vez que a grande questão neste último mês de campanha é se o candidato da situação conseguirá alcançar os votos necessários para evitar um segundo turno. "O debate pode influir em quem briga pelo segundo lugar", afirma o analista Rosendo Fraga, da consultoria Nueva Mayoría.
RAÍZES PERONISTAS
O confronto entre presidenciáveis foi tentado outras vezes na Argentina, sem sucesso. Primeiro peronista eleito após a redemocratização, Carlos Menem (1989-1999) se recusou a dialogar com opositores nas duas votações em que saiu vitorioso. É dele a frase "só quer debater quem perde", que ecoa até hoje no país.
A tradição de não confrontar ideias tem origem na essência do peronismo, diz Ezequiel Spector, da Universidade Torcuato Di Tella. A maior corrente política do país nasceu sob a insígnia da disciplina militar do fundador, Juan Domingo Perón (1895-1974).
"A tradição peronista não é de debate, é de obediência", afirma o estudioso. "O movimento se comporta mais como um exército que como uma organização de políticos que creem na troca de ideias. Dada a sua influência, os argentinos se convenceram de que não é preciso debater."
Para Charosky, o coordenador do evento, a criação da ONG Argentina Debate já é algo inédito na história do país –fazem parte do movimento mais de 40 ONGs, universidades e meios de comunicação.
A previsão é que a fórmula argentina seja mais comedida que os debates do Brasil em alguns aspectos: os temas são conhecidos, não haverá perguntas de eleitores e os candidatos não darão entrevista após o confronto.
RESPONSABILIDADE
Apesar de presente à negociação de regras e dos assuntos, a equipe de Scioli anunciou a recusa em participar apenas na semana passada.
Os opositores usaram a ausência para atacar o adversário. Macri e Massa acusaram Scioli de agir sob ordens de Cristina, que teria vetado a participação do candidato.
Já os aliados do político optaram por desconversar, defendendo a criação de lei para regulamentar esses eventos. Até o momento, nenhum projeto foi apresentado.
"Não quero debater porque é muito difícil levar um debate com responsabilidade e seriedade quando opositores um dia dizem uma coisa, noutro dizem outra e prometem coisas que sabem não poder cumprir", justificou Scioli à Folha há poucos dias.
"As pessoas me conhecem há muitos anos, me veem governar, sabem o que penso e as políticas que eu defendo."
Mesmo com o cenário incompleto, Charosky diz que o evento marcará o país. "Vamos esperar até o último minuto, mas, se Scioli não vier, vai desperdiçar a oportunidade de aparecer em uma foto que entrará para a história."
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