Microsoft revela plano de dados contra espionagem dos EUA
A Microsoft lançou um desafio ao setor de tecnologia dos Estados Unidos, na quarta-feira (11), ao desenvolver um novo e radical regime para proteger os dados de alguns de seus maiores clientes europeus contra a bisbilhotice do governo dos EUA.
O arranjo, que protegerá os dados europeus com uma nova estrutura judicial concebida para colocá-los além do alcance dos tribunais e dos quadros da segurança nacional norte-americanos, é uma das mais dramáticas respostas empresariais até o momento ao escândalo quanto à espionagem dos EUA na internet.
Analistas de tecnologia definiram a decisão como "momento marcante" e a descreveram como a primeira ocasião em que um grande grupo de tecnologia norte-americano aceitou que seria impossível proteger os dados de seus clientes contra o governo dos EUA.
O plano expôs as falhas de outras tentativas recentes de companhias de tecnologia norte-americanas para aliviar os temores europeus por meio da simples abertura de novas centrais de processamento de dados na Europa, porque estas ainda estariam expostas a intrusões norte-americanas, disseram os analistas.
A produtora de software norte-americana anunciou que permitiria que clientes estrangeiros armazenassem seus dados em novas instalações europeias, que estarão sob o controle do grupo de telecomunicações alemão Deutsche Telekom.
O arranjo legal e técnico tem por objetivo colocar os dados de clientes governamentais e empresariais europeus, bem como os dados de milhões de cidadãos, completamente fora do alcance das autoridades dos EUA.
A iniciativa da Microsoft pode influenciar o setor, criando um novo e muito mais rigoroso padrão de privacidade que os clientes em breve poderão exigir também de outros fornecedores de serviços de "computação em nuvem", como Google, Amazon e Oracle.
Andrew Harrer - 16.jul.2014/Bloomberg | ||
Satya Nadella, da Microsoft; executivo tenta reconquistar confiança de clientes após escândalo da NSA |
CONFIANÇA
Os grupos do Vale do Silício estão lutando por reconquistar a confiança dos clientes europeus depois das revelações de Edward Snowden, prestador de serviços à Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA) que denunciou operações de vigilância em larga escala das agências de inteligência norte-americanas na internet.
Satya Nadella, o executivo-chefe da Microsoft, disse ao "Financial Times" que o esforço havia sido concebido para reconquistar a confiança dos clientes, perdida como resultado das revelações de Snowden.
"Precisamos fazer por merecer a confiança de nossos clientes mundiais e precisamos operar globalmente. Essa é a pedra fundamental de nossa forma histórica de operar, e é assim que continuaremos a operar", disse.
Em resposta, as empresas de tecnologia dos EUA decidiram criar centrais de processamento de dados em países europeus. Mas muitos dos clientes da região continuam descrentes de que esses esforços bastarão para protegê-los contra a bisbilhotice.
"Creio que a Microsoft chegou à conclusão de que não tem como evitar sua condição de empresa norte-americana", diz Carsten Casper, analista do grupo de pesquisa de mercado Gartner.
"Considero sua postura mais honrada que a de outras empresas que tentaram transferir suas centrais de processamento de dados à Europa a fim de apaziguar os consumidores, quando não é vantagem ter centrais de processamento nesses países se os dados podem ser acessados do exterior sem grande problema."
Os analistas dizem que a admissão da Microsoft pode dificultar as negociações entre políticos dos EUA e da União Europeia sobre um novo pacto de compartilhamento de dados conhecido como Safe Harbor [porto seguro].
As negociações estão rateando há meses, por conta da espinhosa questão política da vigilância.
Sob o arranjo criado pela Microsoft, a T-Systems, subsidiária da Deutsche Telekom, operará duas novas centrais de processamento de dados na Alemanha, que serão inauguradas no final de 2016.
Elas serão usadas apenas para abrigar informações sobre clientes europeus da Microsoft, que terão de pagar mais caro para armazenar dados dessa maneira.
Mas a T-Systems terá papel de "curadoria" nas centrais, e a Microsoft insiste em que seu pessoal não terá acesso aos dados lá armazenados sem autorização de representantes da companhia alemã.
As companhias acreditam que esse arranjo signifique que a Microsoft não precisará responder a solicitações do governo dos EUA por informações armazenadas nas duas centrais, o que obrigará a encaminhar as solicitações norte-americanas às autoridades alemãs.
As leis de proteção de dados da Alemanha, fiscalizadas por organizações poderosas de proteção da privacidade, são classificadas entre as mais severas do continente.
BATALHA JUDICIAL
A solução da curadoria também é uma resposta à batalha judicial entre a Microsoft e um tribunal de Nova York que está tentando forçar a empresa a entregar às autoridades dos EUA e-mails de um cidadão norte-americano armazenados em um servidor da empresa na Irlanda.
Brad Smith, vice-presidente de assuntos jurídicos da Microsoft, fez do caso a peça central da reação da empresa a exigências intrusivas do governo sobre dados pessoais, prometendo que levaria o processo à Suprema Corte dos EUA se necessário.
Executivos de companhias rivais de tecnologia estão preocupados quanto às implicações do caso, porque ele pode estabelecer um precedente para a maneira pela qual seus negócios deverão ser operados. O plano alemão da Microsoft pode resolver esse problema caso a empresa saia derrotada do processo.
Mas Paul Miller, da Forrester Research, diz que o modelo de curadoria também deve sofrer contestação judicial nos EUA.
"Como no caso de todas as novas abordagens judiciais, só saberemos se ela é sólida quando for contestada na Justiça", diz ele. "Os advogados da Microsoft e da T-Systems são muito bons e dizem que o sistema é invulnerável. Mas tenho certeza de que advogados adversários procurarão por todo e qualquer ponto fraco."
No mês passado, a Europa abalou fortemente a aliança digital transatlântica, revogando um acordo de 15 anos de duração que permitia a transmissão em bloco de dados privados sobre cidadãos europeus aos EUA por empresas norte-americanas de tecnologia.
A decisão do Tribunal Europeu de Justiça de invalidar o acordo Safe Harbor deixou milhares de empresas na corrida por uma mudança de postura jurídica, a fim de evitar violar leis.
As autoridades de proteção a dados da Europa deram prazo até janeiro às empresas para que elas desenvolvam arranjos alternativos de transferência de dados.
Os EUA e a União Europeia estão trabalhando para um novo acordo Safe Harbor, mas analistas dizem que a decisão da Microsoft pode tornar os diplomatas da UE mais resolutos em sua busca de garantias mais fortes quanto à proteção dos dados dos cidadãos europeus contra o regime de vigilância norte-americano.
"Creio que isso colocará pressão sobre os negociadores que buscam um novo acordo transatlântico sobre a privacidade", diz Casper. "Agora há uma nova peça no quebra-cabeças."
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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