Ex-militar de Saddam Hussein ajudou a estruturar Estado Islâmico
O autodeclarado califa Abu Bakr al-Baghdadi é por vezes visto como a principal força do Estado Islâmico.
Mas, quanto mais informações são reunidas sobre essa organização, mais se torna evidente que as suas maquinações dependeram de outro personagem: o enigmático Haji Bakr.
Até recentemente sem ter recebido atenção internacional, o ex-militar iraquiano Haji Bakr teve um papel central na estruturação do Estado Islâmico desde que Baghdadi tornou-se o seu líder.
Em especial, esse "senhor das sombras" —como era conhecido entre alguns— incluiu ex-membros do alto escalão do Exército iraquiano nas fileiras do Estado Islâmico, uma decisão que pode ter sido decisiva para a rápida expansão desse seu projeto.
São dezenas de militares que, unidos às multidões de estrangeiros que viajaram à Síria e ao Iraque, em parte explicam a receita dos sucessos dessa organização em comparação com os outros grupos militantes na região.
Foi só depois da morte de Haji Bakr, em janeiro do ano passado, que a sua participação no processo foi destrinchada.
Em especial, depois de a revista alemã "Der Spiegel" ter tido acesso a uma série de documentos encontrados em Tal Rifaat, no norte da Síria, detalhando o planejamento do califado. A reportagem foi publicada em abril de 2015.
PARALELO COM SADDAM
A identidade real de Haji Bakr era Samir Abd Muhammad al-Khlifawi. Os nomes, porém, eram conhecidos apenas em círculos restritos, entre alguns militantes dessa organização terrorista.
O semanário alemão recolheu relatos sobre o ex-militar, descrito por adjetivos que incluíam "educado", "atencioso", "desonesto" e "malicioso". Ele é até hoje uma das figuras mais controvertidas do Estado Islâmico.
Os papéis recolhidos em Tal Rifaat foram importantes especificamente para determinar o papel desempenhado por ex-membros do Exército de Saddam Hussein (1937-2006), ditador deposto e morto após a invasão americana de 2003.
Parte da explicação está nos métodos: há paralelos entre as ações do Estado Islâmico e aquelas do duro regime iraquiano de Hussein.
Haji Bakr viajou à Síria em 2012 para preparar um território fértil ao Estado Islâmico. Ali, estudou o aparato de segurança e infiltrou-se no tecido da sociedade local.
Documentos mostram, por exemplo, que ele tomou nota de quais eram as famílias influentes da região e quais eram suas fontes de renda. Haji Bakr também teria estudado ali como chantageá-los a partir de suas faltas diante do código religioso do islã.
No processo, ele reproduzia a lição aprendida em sua passagem pelo governo iraquiano: "Ninguém, nem mesmo generais no serviço de inteligência, estava seguro de que não era espionado", segundo o semanário "Der Spiegel".
SEM ALCORÃO
Haji Bakr, diferentemente do autoproclamado califa Baghdadi, é descrito como um homem nacionalista, mais que como um islamista.
Ele teria sofrido um forte baque quando, em 2003, os EUA decidiram dissolver todo o Exército iraquiano —alienando militares bem treinados e influentes que, mais tarde, iriam unir-se a radicais e buscar vingança.
Enquanto assistia ao sucesso de seus planos, com a expansão do Estado Islâmico, Haji Bakr foi morto por rebeldes em janeiro do ano passado, durante embates em território sírio.
Segundo a revista "Der Spiegel", militantes rivais encontraram passaportes, celulares e documentos na casa dele. Mas não havia nenhum Alcorão.
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