Análise
Campanha do 'medo' de Trump é sintoma da xenofobia, não a causa
A campanha do "medo" que surgiu com Donald Trump, o candidato republicano favorito para a Presidência, não é uma causa, mas sim um sintoma da crescente xenofobia norte-americana.
Trump, um mestre das vendas, vem vendendo o discurso do ódio e da discriminação por mais de três décadas. Mas, desde que Barack Obama se tornou presidente em 2008, a base extremista de seu partido –a quem um candidato deve mimar para vencer a nomeação– cresceu rapidamente e clama pelo que Trump está vendendo.
Então o recente apelo de Trump para que temporariamente os muçulmanos sejam proibidos de entrar nos EUA, bem como sua promessa –quando anunciou a candidatura, em junho– de construir um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México, um país que, segundo ele, exporta criminosos e estupradores, é música para esses ouvidos. Os extremistas republicanos amam seu chamado a uma barreira ao redor do país, baseada na raça e na fé, porque isso reflete os medos que eles têm.
O recente assassinato de 14 californianos por um casal muçulmano que professou lealdade à milícia terrorista Estado Islâmico (EI), precedido pelo massacre de 130 pessoas em Paris por terroristas vinculados ao EI, atiçou esses medos.
Reprodução/NBC |
Tiroteio em San Bernardino, na Califórnia |
O islã radical, no entanto, não é responsável pela guinada do partido republicano à direita extremista. Essa migração ideológica se deve, em grande parte, ao crescimento de evangélicos, de nacionalistas xenófobos e do Tea Party, um movimento que surgiu quando (e porque) Obama foi eleito e que ridiculariza tudo, da sua lei de reforma da saúde ("Obamacare") à sua política de imigração, que eles dizem que rouba empregos dos norte-americanos.
Trump usa a mesma retórica enganosa. Ele alertou que o comércio injusto com o Japão estava roubando empregos norte-americanos nos anos 80 e que as exportações chinesas feitas à base de "dumping" estão fazendo isso agora. Seu alarmismo xenófobo ressoa tanto entre os republicanos extremistas que 65% dos que estão propensos a votar nas primárias, as eleições estaduais em que é eleito o candidato de um partido, estão a favor do seu chamado a proibir muçulmanos de entrar nos EUA, de acordo com uma pesquisa da Bloomberg Politics/Purple Strategies Pulse.
A proposta de Trump de banir a imigração muçulmana forçou a maioria dos seus rivais republicanos a condenar isso, por saberem que, se adotarem uma posição semelhante para ganhar a nomeação do seu partido, será difícil ser eleito presidente. Isso porque a disputa costuma ser decidida por eleitores moderados, muitos dos quais não pertencem a um partido. E muitos desses eleitores já preferem Hillary Clinton, a candidata mais provável do Partido Democrata, devido às suas posições de centro.
As pesquisas mostram que Trump provavelmente pode chegar à convenção que elege o candidato republicano à Presidência em julho com a maior parte, mas não a maioria, dos votos necessários para vencer a nomeação do partido.
Se isso acontecer, os líderes republicanos podem manipular as regras da convenção para impedir a nomeação de Trump. Nesse caso, o bilionário ameaçou financiar sua própria campanha como candidato independente. Sua candidatura por um terceiro partido dividiria os votos entre ele e o candidato republicano mais moderado, e daria a eleição a Clinton. Mas os líderes republicanos podem preferir esse resultado a ter o nome do seu partido manchado pela marca de Trump no decorrer de um longo futuro.
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 33 anos no Brasil, é autor do livro "Um pé em cada país" (Tomo Editorial).
Traduzido por DENISE MOTA
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Um mundo de muros
Em uma série de reportagens, a Folha vai a quatro continentes mostrar o que está por trás das barreiras que bloqueiam aqueles que consideram indesejáveis