Ainda sob luto, bairros de ataques em Paris tentam retomar rotina
Um mês após os atentados que deixaram 130 mortos em Paris e Saint-Denis, os distritos da capital francesa visados pelos terroristas (10º e 11º) tateiam na busca pelo equilíbrio entre o luto e a necessidade de retomar a rotina.
Na tarde de sexta (11), equipes da companhia de limpeza urbana de Paris lavavam a calçada do parque localizado no bulevar Richard Lenoir, que desemboca na via onde está a casa de shows Bataclan, cenário de 90 mortes.
JOEL SAGET/AFP | ||
Funcionários da prefeitura recolhem flores e outros objetos de memorial em frente ao Bataclan no último dia 10 |
Ali ficava, até o último dia 8, uma das pontas do memorial de ao menos 100 metros de comprimento onde milhares de velas, flores, fotos, bandeiras, bichos de pelúcia e mensagens foram depositados desde 13 de novembro.
Um informe da subprefeitura do 11º distrito explicou a retirada: "É preciso conciliar a necessidade de recolhimento e memória de todos com a garantia de um clima mais sereno para os moradores".
Velas e flores que não resistiram às intempéries foram descartadas. Desenhos e cartazes foram recolhidos pelo Arquivo Municipal. A parte do memorial em frente ao Bataclan permanece intocada -e é visitada a qualquer hora do dia por dezenas de curiosos, alguns deles não hesitando em tirar selfies descontraídas.
"Há um monte de 'urubus'; fica uma atmosfera carregada, pouco sã", diz Laurent (que não quis dar o sobrenome), dono de uma lanchonete a 20 metros da casa de shows, que viu o faturamento cair 40% desde o ataque. "As autoridades podiam reservar um lugar mais neutro para esse memorial."
"Tem gente que se fotografa como se estivesse na estátua da Liberdade", faz coro, alguns metros adiante, a farmacêutica Geraldine Wizman, que estima em 30% a retração na clientela.
"O bairro ficou traumatizado. A farmácia virou um consultório de psicólogo. Na primeira semana [pós-atentados], vendemos 50% a mais de ansiolíticos e remédios contra insônia. É preciso que a vida retome seu curso."
É o que busca fazer André-Frédéric Pruja, dono do bar Le Petit Bal Perdu, do outro lado da rua. "Tento esquecer, mas tudo ainda está ali [aponta na direção do memorial], as pessoas vêm perguntar a toda hora como foi", afirma.
CICATRIZES
A uma dezena de quarteirões ao sul fica o La Belle Equipe, onde 19 pessoas perderam a vida. A calçada em que o bar armava sua "varanda" ainda está completamente coberta por homenagens. Um corredor para pedestres foi improvisado na rua.
"Não me oponho às flores, mas gostaria que de algum jeito as 'cicatrizes' daquele dia estivessem menos explícitas", diz Hélène Jamesse, moradora do bairro. "Quando forem desmontar o memorial, espero que haja algum ritual."
No hotel duas estrelas quase em frente ao bar, 40% das reservas foram canceladas. O número de estadas encurtadas também é expressivo.
"Se não fosse pela COP21, teria sido uma catástrofe", diz o gerente de reservas Nassim, que já recorre a descontos de 30% nas diárias.
Apesar da queda de 60% na receita de sua loja na rua do restaurante Petit Cambodge e do café Carillon, onde morreram 15 pessoas, Bénédicte Borrel diz que essa é a menor de suas preocupações. "Perto do que vi, do sangue, das marcas de tiros, não representa nada. Era como se tivessem jogado uma bomba atômica aqui."
Nas calçadas que margeiam os dois estabelecimentos, as equipes da prefeitura já fizeram as primeiras limpezas. "Os memoriais não nos ajudam [a superar o episódio], mas são necessários para quem perdeu pessoas próximas. Só vamos mesmo poder virar a página quando os locais reabrirem", diz Borrel.
O restaurante pretende fazê-lo em janeiro; o bar, talvez já no fim do mês.
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