Disputa pelo Poder Legislativo na Venezuela expõe divisão da oposição
Duas semanas após a esmagadora vitória na eleição parlamentar, a oposição da Venezuela ainda não alcançou acordo sobre quem assumirá a presidência da Assembleia Nacional na legislatura que assume em 5 de janeiro para um mandato de cinco anos.
A escolha era prevista para os dias seguintes ao triunfo, mas vem sendo postergada devido a tensas divergências na Mesa da Unidade Democrática (MUD), a coalizão opositora que, muitas vezes, não faz jus à união do nome.
Fontes envolvidas nas discussões esperam definir até terça o nome de quem poderá ser incumbido de conduzir um processo para tentar encurtar, pela via constitucional, o mandato do impopular presidente Nicolás Maduro.
Até agora, porém, o único consenso é sobre a rotatividade do cargo –um presidente por ano. O favorito para começar o rodízio é o deputado Julio Borges, cacique do Primeiro Justiça (PJ), partido de centro-esquerda liderado pelo governador do Estado de Miranda e ex-candidato à Presidência Henrique Capriles.
O PJ obteve o maior número de cadeiras (33 das 112 arrematadas pela MUD) e, por isso, acha natural ser contemplado com a presidência.
O partido também alega que a magnitude da vitória e a alta participação (74%) consagram a estratégia de Capriles, contrário aos protestos de rua.
"Ganhou a política que propusemos", afirmou ao jornal "El Pais", numa alfinetada aos partidários das manifestações de 2014, nas quais morreram 43 pessoas.
O maior rival de Borges na disputa é Henry Ramos Allup, líder da Ação Democrática (AD). Atuante na política desde os anos 1980, é visto pelo PJ como símbolo do passado. "Ramos Allup não pode ser o rosto da renovação que prometemos", diz uma fonte ligada a Borges e Capriles.
Em resposta, Ramos Allup disse que Capriles se preocupa com a "própria campanha", alusão à pretensão declarada do governador de disputar de novo a Presidência.
Ramos Allup agradou a muitos opositores ao celebrar a vitória opositora com retórica inflamada antichavista. Tem apoio da sigla direitista Vontade Popular (VP) cujo líder, Leopoldo López, está preso sob acusação de ter instigado as manifestações de 2014. O VP, porém, se diz fora da disputa por enquanto.
"Em algum momento teremos a presidência da Assembleia, mas hoje nossa prioridade é obter alguma das comissões mais importantes, como a de Energia", diz Freddy Guevara, deputado do VP.
Correm por fora da briga pela presidência Enrique Márquez e Delsa Solórzano, menos conhecidos, mas cujo partido, Um Novo Tempo, obteve expressivas 21 cadeiras.
AGENDAS DESTOANTES
Partidos da MUD também travam conflito de agendas.
Enquanto Capriles considera contraproducente iniciar a nova legislatura com declarações de guerra, Ramos Allup exige a renúncia de Maduro. Em declarações ao "El Nacional" feitas desde a prisão, López disse que a prioridade da oposição deve ser a rápida interrupção da Presidência de Maduro.
Para isso, uma possibilidade é convocar um referendo revogatório, algo que se torna possível em março, quando se encerra a primeira metade do mandato presidencial iniciado em 2013.
A MUD também pode abreviar a Presidência por emenda constitucional submetida a referendo popular.
No plano econômico, o PJ defende posições mais sensíveis às preocupações dos pobres, enquanto o VP tem discurso mais pró-mercado.
Para o analista Oswaldo Ramirez, a MUD está na "maior encruzilhada de sua história".
A coalizão, diz ele, precisa assegurar que a "exitosa aliança eleitoral se consolide como aliança política para fazer frente a um governo muito agressivo."
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Um mundo de muros
Em uma série de reportagens, a Folha vai a quatro continentes mostrar o que está por trás das barreiras que bloqueiam aqueles que consideram indesejáveis