Refugiados recebem orientação sobre como tratar as mulheres na Noruega
Quando ele chegou à Europa pela primeira vez, Abdu Osman Kelifa, um muçulmano em busca de asilo proveniente do Chifre da África, ficou chocado ao ver mulheres em roupas provocantes tomando bebidas alcoólicas e beijando em público.
Em sua terra natal, ele contou, apenas prostitutas fazem isso e em filmes locais os casais "apenas se abraçam, mas nunca se beijam".
Andrew Testa/The New York Times | ||
Refugiados recém-chegados à Europa participam de encontro sobre educação sexual em Lunde |
Confuso, Kelifa se ofereceu para participar de um programa pioneiro e, em alguns aspectos, polêmico, que visa prevenir a violência sexual e de outros tipos ao ajudar imigrantes do sexo masculino a se adaptar às sociedades europeias mais abertas.
A maioria vêm de sociedades altamente segregadas ou em que as mulheres não exibem nem o corpo nem atitudes de afeto em público.
Temerosa de estigmatizar os imigrantes como potenciais estupradores e cair no jogo de políticos anti-imigrantes, a maioria dos países europeus têm evitado abordar a questão sobre se os homens que chegam de sociedades mais conservadoras podem ficar com a impressão errada quando moram em lugares onde pode parecer que vale tudo.
Mas, com mais de 1 milhão de pessoas em busca de asilo chegando à Europa este ano, um número crescente de políticos e também alguns ativistas de imigração agora estão a favor de oferecer informações sobre normas sexuais europeias e códigos sociais.
Kelifa, 33, participou do programa de educação em um centro de acolhida em Sandnes, perto da cidade norueguesa de Stavanger, no oeste do país.
Assim como acontece em cursos semelhantes no povoado de Lunde e em outros lugares da Noruega, os participantes vão aos encontros voluntários uma vez por semana para discutir sobre estupro e outras violências.
O objetivo é que os participantes saibam, "pelo menos, a diferença entre certo e errado", disse Nina Machibya, gerente do centro de Sandnes.
Um manual do curso estabelece uma regra simples que todos os requerentes de asilo precisam aprender e seguir: "Na Noruega, é proibido forçar alguém a fazer sexo, mesmo quando você está casado com essa pessoa".
O documento contorna a questão das diferenças religiosas, ao informar que, embora a Noruega tenha sido em boa parte cristã, "não é a religião que define as leis" e que, qualquer que seja a fé de uma pessoa, "as regras e leis têm que ser cumpridas".
Na Dinamarca, os legisladores pressionam para incluir a educação sexual nas aulas de idioma obrigatórias para os refugiados.
A região alemã da Baviera, principal porta de entrada para a Alemanha para quem busca asilo, já está experimentando a realização desse tipo de aulas em um abrigo para imigrantes adolescentes em Passau. A Noruega, no entanto, vem sendo líder no tema.
Seu departamento de imigração determinou que tais programas fossem oferecidos em todo o país em 2013 e contratou uma fundação sem fins lucrativos, Alternative to Violence (alternativa à violência), para treinar funcionários de centros de refugiados sobre como organizar e realizar aulas sobre violência sexual e de outros tipos.
O governo ofereceu financiamento de dois anos para o pagamento de intérpretes para as aulas e agora está analisando os resultados e a possibilidade de prolongar o apoio.
"O maior perigo para todos é o silêncio", disse Per Isdal, psicólogo clínico em Stavanger que trabalha para a fundação que desenvolveu o programa do qual Kelifa participou em Sandnes.
Muitos refugiados "vêm de culturas que não têm igualdade de gênero e onde as mulheres são propriedades dos homens", disse Isdal. "Temos de ajudá-los a se adaptar à sua nova cultura."
SÉRIE DE ESTUPROS
O primeiro programa desse estilo, para ensinar imigrantes sobre normas locais e como evitar interpretar erroneamente sinais sociais, foi iniciado em Stavanger, o centro da indústria petrolífera da Noruega e um ímã para imigrantes, depois de uma série de estupros de 2009 a 2011.
Henry Ove Berg, que foi chefe da política de Stavanger durante o pico dos casos de estupro, disse que apoiou as aulas de educação sexual para imigrantes porque "as pessoas de algumas regiões do mundo nunca viram uma garota de minissaia, só em uma burca". Quando chegam à Noruega, acrescentou, "alguma coisa acontece na cabeça deles".
Ele disse que "houve uma ligação, mas não muito clara", entre os casos de estupro e a comunidade de imigrantes da cidade. De acordo com a emissora estatal NRK, apenas três de 20 homens considerados culpados nesses casos eram noruegueses nativos, o restante eram imigrantes.
A alegação de que refugiados e imigrantes em geral tendem a cometer estupros se tornou um dos principais gritos de guerra dos ativistas anti-imigração em toda a Europa, e cada caso de violência sexual de um recém-chegado é apresentado como evidência de um flagelo importado.
Hege Storhaug, ex-jornalista norueguesa à frente do Human Rights Service, uma organização profundamente crítica ao Islã, adotou a questão para angariar oposição pública aos refugiados e diz no site do seu grupo que a chanceler alemã, Angela Merkel, abriu caminho para uma "epidemia de estupro" com sua atitude de boas-vindas aos imigrantes.
A Noruega, como a maioria da Europa, não faz estatísticas criminais baseadas em etnia nem religião. Um documento de 2011 feito pelo governo observou que "os imigrantes estão super representados nas estatísticas de criminalidade", mas sugeriu que isso não se devia a diferenças culturais, mas sim ao fato de que muitos dos imigrantes eram jovens.
"Não deveria ser surpreendente que grupos com grandes proporções de jovens do sexo masculino tenham taxas de criminalidade mais altas do que grupos com grandes proporções de mulheres idosas", afirmava o relatório.
Kelia, o africano que busca asilo, disse que ainda era difícil para ele aceitar que uma esposa poderia acusar seu marido de agressão sexual. Mas acrescentou que havia aprendido como compreender os antes desconcertantes sinais de mulheres que usam saias curtas, que sorriem ou que simplesmente andam sozinhas de noite sem um acompanhante.
"Os homens têm fraquezas e quando eles veem alguém sorrindo, é difícil controlar", disse Kelifa, e explicou que em seu país, a Eritreia, "se alguém quer uma dama, ele pode apenas levá-la e não será punido", pelo menos não pela polícia.
A Noruega, disse ele, trata as mulheres de forma diferente. "Elas podem ter qualquer trabalho, de primeira-ministra a motorista de caminhão, e têm o direito de relaxar" em bares ou na rua sem serem incomodadas, acrescentou.
Tradução de DENISE MOTA
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