Comunidades negras dos EUA buscam Papai Noel para chamar de seu
O bom velhinho de pele branca e bochechas rosadas tem uma versão alternativa. Rompendo a imagem natalina tradicional, cresce nos Estados Unidos a demanda por um Papai Noel de pele escura, que as comunidades negras possam chamar de seu.
"Não me importo muito com a cor dele, mas é bom quando vemos um que se parece mais com a gente", diz o comerciante Robert, depois de levar a filha Kiara, 3, para tirar uma foto com o Papai Noel afro-americano do shopping Prince Georges, perto de Washington.
Lucy Nicholson -16.dez.2015/Reuters | ||
Papai Noel Negro posa para foto em shopping em Los Angeles, Califórnia |
"Ele foi bonzinho, perguntou o que eu queria e eu pedi uma boneca", contou Kiara, com um largo sorriso. "Pode ser branca ou negra."
As risadas estão soltas nos corredores lotados do shopping, o clima é de alegria natalina e não há sinal de tensão racial.
Mas a cor do Papai Noel já provocou polêmica. Há dois anos, a escritora afro-americana Aisha Harris publicou um artigo protestando contra o monopólio branco das imagens de Natal, de Jesus Cristo ao não tão bom velhinho, pela descrição dela.
Em suas lembranças de infância, Papai Noel era "um velho branco gordo, com deficiência de melanina, que me fazia sentir vergonha".
A polêmica cresceu depois da reação da apresentadora Megyn Kelly, do canal de TV conservador Fox.
"Para todas as crianças que nos assistem, Papai Noel é simplesmente branco", disse, causando desconforto entre as comunidades negras do país, algo nada incomum para a emissora.
De pouco adiantou o reparo feito depois por Kelly, afirmando que o comentário havia sido uma brincadeira.
Controvérsias à parte, uma tradição natalina o Papai Noel negro está seguindo: virou um bom negócio.
Tanto que Dee Sinclair, um Noel veterano, decidiu abrir uma empresa dedicada exclusivamente à atividade, chamada "The Real Black Santa" (o verdadeiro Papai Noel negro).
Após 14 anos de aparições na área de Atlanta, Sinclair diz que os negócios estão melhores do que nunca.
"Crianças não olham para a cor, e os adultos deveriam fazer o mesmo. Um Papai Noel negro hoje em dia deveria ser algo comum", disse Sinclair à Folha, por meio de uma eficiente assessora de imprensa.
Seu faturamento chega a US$ 60 mil por temporada, contou a um programa de rádio, e ele não dá conta da demanda. Tanto que teve de chamar mais dois papais-noéis negros topo de linha como ele, ou seja, de barba verdadeira.
"Eu sonho com um Natal branco", canta Bing Crosby na mais popular canção natalina americana, que nesta época não para de tocar nos EUA.
O eterno sucesso é considerado por alguns como racista, o que provavelmente espantaria o seu autor, o compositor russo judeu Irving Berlin, que se referia ao branco da neve.
Entretanto, para muitos americanos negros que compartilham o ressentimento da escritora Aisha Harris, é como a trilha sonora de uma festa que os exclui.
Atentos à frustração e de olho no bolso dessa parcela da população, muitos shoppings têm apresentado um Papai Noel menos branco, como o Prince Georges, que fica numa área onde mais de 60% dos residentes é negra de classe média.
Alguns encontram meios inusitados e polêmicos para atender à demanda. É o caso da loja de departamento Macy's, onde há dois anos a imprensa descobriu que havia um Papai Noel negro, além do principal.
Mas ele estava meio escondido, em uma parte da loja só acessado por quem conhecia a sua existência.
Victoria Clark, diretora de marketing do Prince Georges, explica que é uma tradição antiga do shopping ter um Papai Noel "afro-americano" e que vem gente de longe para vê-lo.
Segundo ela, a cor da pele não é a maior atração. "Temos o único Papai Noel com barba verdadeira das redondezas", orgulha-se.
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