Em ano marcado por chacinas, venda de armas divide EUA
"Se você tem algum problema com esse estabelecimento, reclame com o departamento do consumidor de Nova York." O cartaz na entrada da loja John Jovino visa poupar vendedores de exaustivas explicações sobre a legalidade do negócio.
Em uma das regiões mais refratárias à posse privada de armas de fogo dos Estados Unidos, uma fachada com um revólver gigante de mentira e placas de tiro ao alvo, entre sorveterias e óticas, não deixa de ser uma provocação.
Estabelecida em 1911, a John Jovino —que se autoproclama a loja de armas de fogo mais antiga do país—, sobrevive a guinadas progressistas e consistentes campanhas antiarmamento no Estado de Nova York.
Thais Bilenky/Folhapress | ||
Fachada da loja de armas John Jovino, a mais antiga de Nova York |
Uma das poucas revendedoras de rifles e revólveres da região, atende sobretudo policiais, que precisam apresentar seus documentos para poder comprar até mesmo uniformes oficiais.
Cidadãos que queiram adquirir armas necessitam obter licença do governo. Mas eles são poucos.
Cidade liberal, sob legislação estadual mais restritiva, Nova York tem vozes influentes a favor do controle rígido da posse de arma, como o ex-prefeito Michael Bloomberg e o jornal "New York Times".
Ao longo de uma hora na John Jovino em um dia útil, a reportagem se deparou com apenas dois potenciais clientes. Um ator à procura de indumentária para uma peça e um italiano de passagem pela cidade interessado em acessórios não disponíveis.
Mas isso é Nova York. No país, a profusão de opiniões é proporcional à profusão de leis. A população americana nunca esteve tão dividida sobre o tema.
Segundo pesquisa da Universidade Cornell feita em setembro, o apoio ao controle mais rígido vem caindo de 65% dos americanos, em 1998, para os cerca de 50% atuais. Já os contrários a um enrijecimento eram 28% e hoje são a segunda metade.
ROTEIRO
Apesar de inflamarem os debates, ataques à mão armada como o de San Bernardino (Califórnia), que deixou 14 mortos em 2 de dezembro, não produzem consenso.
Na administração Barack Obama, eles têm sido seguidos por um mesmo roteiro: quando o massacre ocorre, o presidente vai a público defender uma legislação mais rígida e criticar o lobby que a indústria de armas exerce sobre o Congresso.
No segundo momento, o temor de que suas palavras surtam efeito leva as vendas de arma de fogo dispararem.
Em seguida, um clamor público contra a posse de armas facilitada toma conta de veículos de comunicação mais liberais. E, então, ocorre o contra-ataque conservador.
"Enquanto as famílias das vítimas de San Bernardino ainda recebem orações dos americanos, a esquerda sem Deus lança um ataque mordaz contra os pilares da liberdade americana: a Primeira e a Segunda emendas [da Constituição]", disse a radialista conservadora Dana Loesch.
A referência ao direito de liberdade de religião e expressão (Primeira Emenda) e à posse de armas (Segunda Emenda) é um dos argumentos mais usados por setores conservadores na defesa do direito de portar os artefatos.
Já as alas contrárias costumam lembrar que na época em que as emendas foram criadas, 1789, os EUA ainda precisavam de milícias.
"A Segunda Emenda é estúpida. Não inventem justificativas", rebateu o apresentador Geraldo Rivera.
Numa saída mais moderada, a NBA, popular liga de basquete do país, veiculou anúncios em intervalos de jogo neste Natal para falar de vítimas de ataques à mão armada. Ainda que não tenha abordado o debate sobre o controle da venda, foi a primeira vez que a organização se posicionou no tema.
Divergências entre as leis dos Estados contribuem para a cacofonia no debate.
A legislação federal é vaga: veta a venda de armas a pessoas com determinados antecedentes criminais, distúrbios mentais, histórico de abuso de drogas, entre outros, e estipula que vendedores de armas chequem se os compradores se enquadram em algum dos grupos.
Os Estados têm autonomia para regularizar o comércio.
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