Sob incertezas, França lembra os ataques ao 'Charlie Hebdo' um ano depois
Um ano depois do atentado que deixou 11 mortos na Redação do jornal satírico "Charlie Hebdo", a sobriedade dá o tom das homenagens às vítimas. Por outro lado, elevam-se as vozes de oposição ao pacote antiterrorismo anunciado pelo presidente François Hollande após os ataques de novembro.
Ao longo desta semana, placas memoriais serão inauguradas na fachada do prédio em que funcionava o semanário, no 11º distrito de Paris, e a um quarteirão dali, onde foi morto um policial que perseguia os irmãos Chérif e Saïd Kouachi, autores do atentado ao "Charlie".
O mesmo ocorre no mercado kosher em que quatro pessoas morreram, em 9 de janeiro de 2015, na tomada de reféns pelo terrorista Amedy Coulibaly; e em Montrouge (periferia sul), onde, na véspera, ele matou uma policial.
No domingo (10), uma cerimônia na praça da República deve reunir familiares das vítimas e sobreviventes dos atentados de janeiro e novembro. Na ocasião, uma placa será inaugurada aos pés de um carvalho de dez metros ("árvore da lembrança"). O público terá acesso após a passagem de autoridades.
Ian Langsdon/Efe | ||
Homem lê edição do 'Charlie Hebdo' que foi às bancas nesta semana |
POLÍTICA
No front político, o clima é menos moderado. Desde que anunciou a possibilidade de retirar a cidadania francesa de condenados por terrorismo portadores de duas nacionalidades, o socialista Hollande enfrenta a resistência de seus correligionários.
Eles acham que a medida criaria duas categorias de franceses (os "puramente" locais e os binacionais), atentando contra o princípio de igualdade perante a lei.
O projeto de alteração da Constituição precisa do aval de 3/5 dos parlamentares.
O ex-presidente Nicolas Sarkozy, líder do opositor Republicanos (centro-direita), declarou apoio, mas exigiu contrapartidas do governo, como o monitoramento por pulseiras eletrônicas dos indivíduos tidos como ameaça pelos serviços de inteligência.
'CHARLIE'
Objeto de um movimento internacional de solidariedade em janeiro passado, quando a hashtag #jesuischarlie inundou a internet e a comoção fez a tiragem do primeiro número pós-atentado chegar aos oito milhões de exemplares, o "Charlie Hebdo" retomou sua verve de "outsider" sardônico e insolente.
Em setembro, um desenho representando o corpo inerte do garoto sírio Alan Kurdi, à beira-mar, aos pés de um anúncio do McDonald's e da inscrição "tão perto do objetivo...", foi alvo de fortes críticas.
Um mês depois, o Kremlin repudiou um cartum que mostrava destroços do avião russo abatido pelo Estado Islâmico no Egito, sob a legenda: "Daesh: A aviação russa intensifica seus bombardeios". Na edição desta semana, uma caricatura de Deus com as mãos ensanguentadas e um fuzil amarrado às costas é o destaque da capa.
"O assassino ainda está solto", diz a legenda do desenho assinado pelo diretor da publicação, Laurent Sourisseau, o Riss.
Ironicamente, a tragédia pôs fim à penúria financeira do "Charlie", que perigava fechar as portas.
Mais de € 4 milhões (R$ 17 milhões) em doações, vendas em bancas de 80 mil exemplares (contra 30 mil antes do ataque) e 180 mil assinantes (a maioria novos) revigoraram o caixa do jornal.
A bonança trouxe o seu quinhão de discórdia, com empregados demandando participação acionária e gestão menos centralizada.
Nomes importantes, como o desenhista Luz, deixaram a publicação ao longo do ano, alegando bloqueio criativo ou desânimo.
No fim de setembro, a equipe, que se transferira para o prédio do diário "Libération", instalou-se na nova Redação, em endereço secreto no 13º distrito de Paris (sul).
O local tem janelas blindadas, uma sala "caixa-forte" e conta com proteção policial permanente.
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