Com esquerda no poder, Portugal volta a discutir a legalização da eutanásia
A ascensão de uma coligação de esquerda ao governo de Portugal trouxe de volta o debate sobre a legalização da eutanásia -morte assistida em caso de doenças graves-, que havia sido deixado de lado pelo ex-primeiro-ministro de centro-direita Pedro Passos Coelho (2011-2015).
O pontapé inicial foi dado há duas semanas pelo manifesto "Direito a Morrer com Dignidade".
O documento é assinado por mais de cem personalidades portuguesas, incluindo a ex-ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz, a escritora e viúva de José Saramago, Pilar del Rio, o ex-reitor da Universidade de Lisboa e candidato derrotado à Presidência, António Sampaio da Nóvoa, e a deputada Mariana Mortágua.
O manifesto, que tem também uma petição on-line para o público em geral, afirma que a legalização da eutanásia é uma questão humanitária para evitar o sofrimento dos pacientes.
"É um último recurso, uma última liberdade, um último pedido não possível de recusar a quem se sabe condenado. Nessas circunstâncias, a morte assistida é um ato compassivo e de beneficência."
Partidos políticos da base governista e da oposição não demoraram a se manifestar, assim como organizações médicas e segmentos ligados à Igreja Católica.
O deputado Pedro Delgado Alves, do Partido Socialista do primeiro-ministro António Costa -que assumiu em novembro-, afirmou que a legenda está aberta ao diálogo sobre o assunto.
"Por força do manifesto e do movimento cívico que levantou a questão, [o debate] é hoje uma questão incontornável que ocupará a sociedade civil portuguesa e, seguramente, também o Parlamento nos próximos tempos", afirmou, ressaltando que o assunto é muito complexo e ainda está em estágio inicial de discussão.
A descriminalização da eutanásia fez parte das propostas eleitorais do Bloco de Esquerda, terceira maior força política de Portugal.
A líder do partido, Catarina Martins, reforçou a intenção dos deputados da legenda em debater a questão na Assembleia da República.
REFERENDO
No último governo de esquerda (José Sócrates, 2005-2011), Portugal decidiu pela legalização do aborto. Em um referendo em 2007, 59,2% foram favoráveis à interrupção voluntária da gravidez.
Alguns políticos e representantes da sociedade civil, como a Associação Portuguesa de Bioética, pedem que a questão da eutanásia seja avaliada em um referendo. Essa opção, porém, desagrada boa parte dos deputados.
Fontes ligadas ao presidente eleito, Marcelo Rebelo de Sousa, que assume no mês que vem, indicam que ele não tem intenção de pressionar por uma consulta popular.
O debate promete esquentar quando acabam as sessões sobre o orçamento de Estado, no próximo mês.
Desde julho de 2014, os portugueses podem optar por listar que tipo de tratamentos não estão dispostos a se submeter, incluindo procedimentos de ressuscitação.
O chamado Testamento Vital é incluído em um banco de dados do Ministério da Saúde, que disponibiliza essa informações aos médicos. Além de delimitar tratamentos, também é possível designar um responsável por tomar essas decisões.
A Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos repudiou o manifesto a favor da eutanásia. Para a entidade, há pouca preocupação com os milhares de portugueses que necessitam de cuidados paliativos. Mais da metade morre sem ter acesso a eles.
A Associação dos Médicos Católicos Portugueses também foi contra a proposta. Segundo a organização, o que se propõe é legalizar que os médicos matem determinados doentes, mas sob "uma capa de compaixão".
Um grupo de juristas católicos emitiu posicionamento semelhante.
A eutanásia é legal em três países da União Europeia: Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Na Suíça, é permitido o suicídio assistido, em que o próprio paciente aplica uma injeção letal.
Nos EUA, a decisão varia conforme o Estado. A prática é legal segundo a legislação de Oregon, Califórnia, Washington, Vermont e de um condado do Novo México.
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