Venezuela contrata agência brasileira para reerguer imagem de Maduro
Pressionado pela severa derrota na eleição parlamentar de dezembro, o governo da Venezuela contratou uma empresa brasileira, a Entrelinhas Comunicação, para tentar resgatar a imagem do chavismo e assessorá-lo num contexto de grave crise política e econômica.
A informação foi apurada pela Folha e confirmada por uma fonte no governo venezuelano. Ela afirmou que a Entrelinhas está "só de passagem". A empresa disse que não se pronunciaria.
Carlos Garcia Rawlins/Reuters | ||
Homem carrega nas mãos compra feita em mercado de Caracas; Venezuela sofre desabastecimento |
Segundo apuração da reportagem, ao menos 20 pessoas foram despachadas a Caracas desde janeiro para participar da missão, que deve se estender por meses. Brasileiros são maioria, mas a equipe também tem colombianos.
Numa tarde recente, a Folha flagrou reunião do grupo num salão do hotel Altamira Suítes, numa área nobre de Caracas. A equipe da Entrelinhas trata com o Ministério da Comunicação e com a Presidência de Nicolás Maduro.
A empresa passou boa parte do tempo fazendo levantamento da situação comunicacional e dos desafios mais urgentes para resistir à ofensiva da oposição, que iniciou trâmites constitucionais para tentar derrubar Maduro ainda neste ano.
Um dos resultados palpáveis da assessoria brasileira é um vídeo de propaganda, divulgado na TV estatal, no qual uma mulher humilde fala com rara franqueza dos problemas do país, mas os atribuiu a uma suposta "guerra econômica" e pede apoio a Maduro.
"Não podemos tapar o sol com a peneira. Há desabastecimento e filas para conseguir alguns produtos, e tudo está muito caro. [...] Mas isso é nada comparado ao horror que era viver antes do chavismo", diz a personagem.
Ela relata que, nos governos anteriores, os pobres chegaram a se alimentar de ração animal. "Hoje vivemos melhor que antes [...]. Tenho plena confiança de que o presidente Maduro poderá superar este momento. Tenho fé no futuro", acrescenta.
O vídeo indica que ao menos dois aspectos da comunicação chavista não serão alterados: a justaposição do presente com o passado e a insistência em culpar fatores externos, como a oposição e a queda do preço do petróleo, pelo desabastecimento e pela inflação mais alta do mundo (275%, segundo o FMI).
A Entrelinhas também afina discursos e manobra para romper com a narrativa de que Maduro está isolado.
O governo venezuelano decidiu pedir assessoramento especial depois que a oposição ganhou com folga a eleição legislativa e instalou-se no comando de um poder de Estado pela primeira vez em 17 anos. O chavismo não esperava resultado tão adverso.
'FORÇAS ILUMINADORAS'
Criada em 2003, a Entrelinhas tem sede em São Paulo e mantém escritórios nos EUA, El Salvador e México. O grupo oferece assessorias diversas, mas seu forte é o marketing político de esquerda.
"Temos lado", diz um vídeo de apresentação no site da empresa, que afirma só trabalhar para "forças políticas iluminadoras".
Campanhas da Entrelinhas elegeram o atual presidente de El Salvador e, no Brasil, o prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo (PDT), e os senadores Telmário Mota (PDT-RR) e Fátima Bezerra (PT-RN).
Não é a primeira vez que o chavismo recorre a marqueteiros brasileiros. João Santana, preso na Lava Jata, conduziu a bem-sucedida campanha que reelegeu Hugo Chávez à Presidência, em 2012.
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