Mídia norte-americana vive caso de fascínio e rejeição com Trump
O colunista Dana Milbank, do "Washington Post", dizia em outubro estar tão certo de que Donald Trump não seria o candidato republicano que toparia engolir suas palavras se o improvável ocorresse.
Sete meses depois, quando só Trump restou dos 17 inscritos para disputar a Casa Branca pelo partido, leitores cobraram. "Com gosto", respondeu. Ele degusta nesta quinta (12) pratos com papel jornal preparados por um chef.
Ainda que não ao pé da letra, a maioria dos grandes veículos da imprensa americana teve de engolir previsões furadas sobre o empresário.
Em setembro, o colunista do "New York Times" Ross Douthat ironizou: "Comentaristas vão se sentir tolos quando Marco Rubio ganhar todas as prévias republicanas". O senador venceu três de 56 prévias e saiu de campo em março, ao perder para Trump na Flórida, seu Estado.
Paralelamente, as redes de TV são acusadas de ajudar a criar o fenômeno Trump, dando-lhe muito espaço sem checar com rigor se o que diz se sustenta, a ponto de o presidente Barack Obama pedir a repórteres que evitassem "enfatizar o espetáculo circense" da campanha.
"O povo tem bom senso e instintos quando recebe boa informação", disse sexta (6).
O presidente da rede CBS, Leslie Moonves, apreciou o "circo" eleitoral, que aumentaria a publicidade do canal. "Pode não ser bom para a América, mas faz um bem danado à CBS", disse em fevereiro, numa conferência.
O Tyndall Report, que monitora a cobertura de TV nos EUA, calcula que, de janeiro a abril, os noticiários noturnos das três líderes (ABC, CBS e NBC) dedicaram 27% do tempo às eleições (1.284 minutos). Trump dominou, com 333 minutos nas telas.
"A mídia americana é dirigida pelo lucro. Trump traz audiência e sabe tirar vantagem disso", disse à Folha Stephen Farnsworth, coautor de "Nightly News Nightmare" (o pesadelo do noticiário noturno, sobre a cobertura eleitoral de 1988 a 2008).
Para ele, repórteres pecam ao "não aprofundar investigações para avaliar as ideias estranhas, como se fazer o México pagar por um muro na fronteira funcionaria".
Colunista do "New York Times", Nicholas Kristof diz ter sondado jornalistas e acadêmicos e constatado "uma sensação (mas não universal) de que a mídia estragou tudo".
A Kristof, a ex-âncora da NBC Ann Curry disse que o magnata chegou no momento em que a mídia lida com "inseguranças sobre o futuro financeiro". "Ela precisa de Trump como um viciado em crack precisa da droga."
Farnsworth aponta que "as redações encolheram, o que reduz a oportunidade para fazer jornalismo investigativo."
Mas prever Trump era complicado, afirmou —há décadas, afinal, não há presidenciáveis neófitos na política.
Até o estatístico Nate Silver, que acertou os resultados das urnas em todos os 50 Estados americanos em 2012, pediu "calma" em outubro: seria improvável que republicanos escolhessem Trump, "conservadoras de menos".
Ele não vai engolir o que escreveu. Já Milbank se contenta com um parecer médico sobre papel jornal: "É menos tóxico do que cianeto".
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TENTE OUTRA VEZ
Previsões para as eleições de 2016
Pagador de promessas
Sete meses atrás, Dana Milbank, colunista do 'Washington Post', disse que 'engoliria suas palavras' se o empresário vencesse as prévias republicanas. Pagará a promessa nesta quinta (12): um chef vai preparar um prato com a malfadada coluna
Fracasso triplo
Em julho, o site Politico previu que, entre os 17 pré-candidatos, só três tinham chances reais: 'Há apenas alguns políticos com recursos e potencial: Jeb Bush, Marco Rubio e Scott Walker, não necessariamente nessa ordem'. Até março, todos já haviam jogado a toalha
Calma, gente
O estatístico Nate Silver, do site 'FiveThirtyEight', pediu 'calma' em setembro: Trump não ganharia 'porque não é um republicano de verdade'
É claro que vai dar Rubio
No mesmo mês, o colunista do 'New York Times' Ross Douthat escreveu no Twitter que comentaristas 'vão se sentir um tanto tolos quando Marco Rubio ganhar todas as primárias republicanas'. O senador abandonou a corrida em março, após perder seu Estado, a Flórida
Pode apostar
O magnata começou com 0,5% de probabilidade de virar presidente na William Hill, uma das mais famosas casas de apostas do mundo; ganhou a primária em Indiana em 3/5, e no dia seguinte os lances a seu favor subiram suas chances para 33%
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