Análise
Prefeito londrino é novo exemplo para jovens islâmicos na Europa
Enquanto Londres elegia seu primeiro prefeito muçulmano, eu estava em uma conferência em Florença, falando sobre a radicalização de jovens muçulmanos europeus. Nenhuma discussão desse tópico pode evitar tratar do extremismo que aflige um setor marginal da população muçulmana.
Enquanto os governos correm para tentar deter candidatos a radicais e prevenir uma repetição das atrocidades cometidas em Paris e Bruxelas —procurando, com dificuldade crescente, conciliar segurança com direitos humanos—, as sociedades se esforçam para entender por que alguém que nasceu e foi criado na Europa pode optar por ingressar em um grupo jihadista para matar e mutilar outras pessoas.
Leon Neal - 7.mai.2016/AFP | ||
Descendente de paquistaneses, o trabalhista Sadiq Khan foi eleito prefeito de Londres em 7 de maio |
O jihadista europeu é motivado por um conjunto de fatores que abrangem desde uma crise de identidade e a sensação de que o islã está sob ataque até a angústia e confusão existenciais típicas dos adolescentes. Para uma minoria pequena de homens e mulheres, especialmente os de idade adolescente, hoje em dia tornar-se um jihadista ou casar-se com um é visto com pouco-caso preocupante.
O que a eleição para a prefeitura de Londres tem a ver com isso? Com a eleição de Sadiq Khan, o deputado trabalhista representante de Tooting, a capital britânica ofereceu um exemplo muito necessário a ser mostrado para jovens muçulmanos que, com ou sem razão, se sentem socialmente marginalizados.
Embora Khan não seja a única figura muçulmana de destaque no Reino Unido, ele é o primeiro prefeito muçulmano de uma grande cidade ocidental. O simbolismo é importante.
Em um tempo de islamofobia crescente, a chegada à prefeitura do filho de um motorista de ônibus e de uma costureira paquistaneses, alguém que cresceu em um conjunto habitacional popular, representa uma validação do multiculturalismo.
E é uma derrota do radicalismo, quer este seja fruto da xenofobia populista e de extrema direita, quer sejam os ensinamentos nefastos propagados pelo Estado Islâmico.
Donald Trump, o provável candidato presidencial republicano nos EUA que pediu a proibição temporária do ingresso de muçulmanos no país, pode ser o exemplo pior da onda de sentimento antimuçulmano que avança pelo mundo ocidental. Mas políticos europeus não estão muito atrás.
A crise dos migrantes ressaltou atitudes que há não muito tempo teriam sido impensáveis: líderes declarando abertamente que aceitarão apenas refugiados cristãos e políticos afirmando que mais migrantes equivale a um risco mais alto de ataques terroristas.
Londres é o centro financeiro da Europa e uma cidade de população diversificada, em que 25% dos habitantes nasceram fora do Reino Unido e um oitavo são muçulmanos. É justo que a cidade prove que a tolerância e o mérito ainda prevalecem.
Sadiq Khan está assumindo a prefeitura por razões que não guardam relação alguma com religião. Ele fez uma campanha mais eficaz e pragmática que seu rival do Partido Conservador, Zac Goldsmith, convencendo os eleitores de que está mais bem posicionado para tentar solucionar os problemas habitacionais e de transportes de Londres.
De maneira inteligente, Khan distanciou-se do líder trabalhista Jeremy Corbyn e do perigoso flerte de seu partido com o antissemitismo e elevou-se acima da política do medo à qual Goldsmith recorreu, em desespero de causa. Khan escolheu a catedral de Southwark para sua cerimônia de posse, reunindo lideranças comunitárias cristãs, judaicas e muçulmanas.
O fato de ele ter sido eleito apesar das tentativas feitas para retratá-lo como sendo tolerante do extremismo transmitiu uma mensagem poderosa aos jovens muçulmanos suscetíveis à propaganda jihadista, que retrata o Ocidente como opressor do islã e da minoria muçulmana.
Mas a vitória eleitoral de Khan não significa que a religião do novo prefeito será irrelevante em seu novo papel.
Como me disse Olivier Roy, o especialista francês em islamismo que moderou o debate no European University Institute, em Florença, é provável que Khan seja monitorado muito mais de perto que o prefeito passado, Boris Johnson, cujas excentricidades reforçavam sua popularidade.
Aqueles que já atacaram Khan por ter alegadamente aparecido no mesmo palco que islâmicos radicais estarão à espera de qualquer oportunidade para novamente vincular seu nome ao radicalismo.
Ao mesmo tempo, Khan terá um papel importante a exercer no esforço para derrotar o extremismo e ensinar aos jovens britânicos que a integração é necessária.
Khan já disse no passado que os muçulmanos britânicos podem ser mais eficazes quando se trata de contestar posições extremistas. E ele já reconheceu algo que outros preferem ignorar: que "muitos muçulmanos britânicos crescem sem realmente conhecer ninguém de origem diferente".
Tradução de CLARA ALLAIN
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