Tripulação de navio que busca voo 370 enfrenta tempestades e solidão
Para Scott Miller, integrante de uma equipe que busca os restos de um voo fatal da Malaysia Airlines, as piores horas de toda uma vida passada no mar aconteceram quando seu navio de 65,5 metros ficou preso, no ano passado, entre dois poderosos ciclones tropicais e foi atacado por ventos com força de furacão.
A maior onda "era como um prédio de oito andares que vinha para cima do barco", disse Miller, chefe de inspeção do fundo do mar a bordo do navio, o Fugro Equador. "Foi muito assustador, foram as maiores ondas que eu já vi."
David Parker/The New York Times | ||
Navio Fugro Equador chega a Fremantle, Austrália, após 43 dias em busca de restos do voo 370 |
Para Micah Hunter, o supervisor do equipamento sonar do tamanho de um sofá, rebocado atrás da embarcação, os momentos mais difíceis foram quando um cabo do reboque começou a ceder à medida que o equipamento era retirado de perto do fundo do mar no final de abril.
Dois dos fios de aço do cabo de repente se romperam, e um deles atingiu seu dedo mindinho esquerdo, apesar de uma luva protetora. O outro penetrou profundamente em seu dedo indicador esquerdo.
E para Rhiannon Woolhouse-Williams, topógrafa do fundo do mar que é a única mulher na tripulação de 30 integrantes e também a mais jovem, com 23 anos, a parte mais difícil está sendo viver no mar longe da sua casa e dos amigos na Nova Zelândia.
Por mais de dois anos, as tripulações a bordo do Fugro Equador e de outras embarcações têm vasculhado o sul do Oceano Índico em busca dos restos do voo 370 da Malaysia Airlines, que desapareceu durante um trajeto de Kuala Lumpur para Pequim em 8 de março de 2014.
Mês após mês, as equipes enfrentaram ondas imensas e solidão para responder um mistério que vem intrigando o mundo, com pouco a mostrar depois de tantos esforços.
BUSCAS
Woolhouse-Williams se incorporou à Fugro, uma empresa holandesa que coordena a busca sob contrato com o governo australiano, logo depois da sua formatura na faculdade no final de 2014. Ela rapidamente começou uma série de viagens de seis semanas para algumas das águas mais remotas que já foram investigadas.
"Antes de eu ir, não conseguia entender quão isolado se podia estar", ela disse em uma entrevista no convés traseiro do Equador depois de haver chegado em Fremantle, o porto que abastece Perth, para receber suprimentos no início de maio. "Não vimos nenhum outro navio durante semanas."
O Fugro Equador já encontrou várias vezes campos de detritos no fundo do mar, entre 3,5 km e 4,5 km abaixo das ondas. Em cada uma dessas ocasiões, o entusiasmo aumentava, já que a tripulação esperava ter encontrado o avião desaparecido.
Na primeira vez em que encontraram um campo de detritos, ficaram tão entusiasmados que o Fugro chegou a avisar o gabinete do primeiro-ministro Malcolm Turnbull, da Austrália, que estava em viagem na Europa, para que se preparasse para anunciar a descoberta.
Em cada uma dessas inspeções, o Equador ou um dos outros navios enviou um dispositivo não tripulado, operado remotamente, para examinar os destroços com um sonar de alta resolução e, às vezes, também com câmeras. Mas, em todas essas vezes, os detritos acabaram sendo de naufrágios antes desconhecidos.
Os naufrágios raramente têm a mesma aparência, e o mais recente deles se parecia tanto com um avião, nas imagens mostradas pelo sonar, que, a princípio, enganou Miller. "Enquanto ele se movia pela tela, eu chamei todo o mundo no Fugro", disse ele. "Quando passamos por esse, tinha certeza de que havíamos encontrado o MH370."
Mas no final era um barco de aço que havia ficado em posição mais vertical no fundo do oceano e com menos danos do que outros que haviam localizado.
TEMPESTADES
Para o capitão Andreas Ryanto Molyo, comandante do Fugro Equador, o pior momento pelo qual passaram foi durante a mesma confluência de tempestades que alarmou Miller. Rajadas poderosas começaram a empurrar a chuva para o sistema de ventilação do navio através de uma abertura na parte de trás da embarcação, ameaçando paralisar os motores e os sistemas elétricos.
Os engenheiros rapidamente fizeram uma conexão no tubo de ventilação e drenaram a água. A tripulação teve sorte que o tempo estava frio e o ventilador de entrada no sistema de ventilação estava desligado, o que não causou um curto-circuito, disse Molyo.
As ondas eram tão altas e violentas que os integrantes da tripulação que queriam dormir tentaram um velho truque de marinheiros: colocar coletes salva-vidas debaixo das laterais dos seus colchões para evitarem ser lançados para fora da cama.
Mas como o oceano se tornou ainda mais turbulento, Woolhouse-Williams considerou que nem isso era o suficiente, e tentou ficar em sua cama com uma perna apoiada na parede e a mão, do outro lado, contra a escassa mobília, aparafusada.
"É como se você dormisse encostada em uma pequena mesa de cabeceira", disse ela. O Fugro já recebeu mais de 300 receitas para membros da tripulação com enjoo. Poucos passaram incólumes.
O equipamento de sonar foi transportado das proximidades do fundo do mar -um processo de seis horas- e pousado com segurança no solo antes de os ciclones chegarem, mas não houve tempo suficiente para fugir da área.
A Fugro alterou seus procedimentos, desde então, e agora fornece mapas em cores para a tripulação, em relação às tempestades iminentes, em vez de informação numérica sobre o tempo, disse Steve Duffield, diretor geral de operações de mapeamento oceânico da empresa na Austrália. Também é mais rápido interromper a busca, se há a ameaça de um ciclone tropical, afirmou.
Os membros da tripulação disseram que não querem encerrar a busca do voo 370. Ainda esperam localizar a aeronave no fundo do mar e suas caixas-pretas, com o objetivo de desvendar o mistério do motivo de extravio do avião.
"Todos ainda estão muito empenhados em encontrá-lo, e ninguém desistiu disso", disse Woolhouse-Williams. "Seria difícil estar aqui se você não acreditasse nisso."
Tradução de DENISE MOTA
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