Plebiscito britânico põe em evidência possíveis falhas de pesquisas eleitorais
Faltando dias para o histórico plebiscito sobre a permanência ou não do Reino Unido na União Europeia, as pesquisas de opinião dominam o debate, intensificando a insegurança sobre o eventual resultado.
O problema é que ninguém sabe até que ponto confiar nessas pesquisas.
Niklas Halle'n /AFP | ||
Campanha pela saída britânica da União Europeia 'Brexit' desfila em barcos pelo Tâmisa, em Londres |
Uma semana atrás, a campanha pela permanência na UE tinha relativa confiança em uma vitória, animada por uma série de vantagens nas sondagens. Desde então, porém, a campanha da saída do Reino Unido (o chamado "Brexit") passou à frente em algumas pesquisas.
Discute-se intensamente se essas mudanças nas pesquisas são decorrentes de mudanças genuínas na opinião pública ou se refletem falhas de um setor em crise.
A incapacidade dos institutos de pesquisa de prever a maioria absoluta dos conservadores na eleição geral britânica de 2015 foi apenas o mais conhecido dos casos recentes em que as pesquisas de opinião erraram, em países que vão do Canadá a Israel e Turquia.
RESPOSTA SOB PRESSÃO
Enquanto o plebiscito de 23 de junho se aproxima, os institutos de pesquisa ainda precisam resolver dúvidas importantes sobre as disparidades entre pesquisas telefônicas ou na internet e sobre a avaliação da probabilidade de as pessoas irem votar. Mas as formas alternativas de previsão apresentam seus próprios problemas.
Em entrevistas telefônicas, pede-se às pessoas que respondam se o Reino Unido deve continuar fazendo parte da UE ou se deve sair. As pessoas podem dizer que não sabem ou que preferem não responder (PNR), mas, como nenhuma dessas respostas é explicitamente apresentada como parte da pergunta, há um empurrãozinho invisível para levar os entrevistados a responderem pela permanência ou a saída.
Online, as opções alternativas teriam que ser incluídas explicitamente na pesquisa conforme ela aparece na tela. Assim, os "permanecer" ou "sair" dúbios das pesquisas telefônicas frequentemente se convertem em "não sei" ou PNR.
Não existe a intenção de suscitar respostas diferentes, mas parece ser isso o que vem acontecendo.
TELEFONE X INTERNET
Nas pesquisas online, o "permanecer" e o "sair" continuaram em grande medidas empatados ao longo de 2016. As pequenas mudanças em um sentido ou outro provavelmente não foram significativas.
Nas pesquisas feitas pelo telefone, o "permanecer" conservou vantagem sólida sobre o "sair" desde o início do ano. A margem ficou mais estreita nos três primeiros meses do ano, mas praticamente não muda desde abril.
Por que o "permanecer" parece beneficiar-se de uma questão metodológica que afeta os eleitores indecisos? A ideia prevalente é que, quando os entrevistados sentem aquele empurrãozinho invisível para posicionar-se por um lado ou outro, são maiores as chances de optarem pelo status quo, algo que já é conhecido.
Essencialmente, esse fato gera duas séries distintas de dados. E, o que não surpreende, o aumento da frequência das pesquisas telefônicas vai impelindo a média das pesquisas em direção ao "permanecer".
Ben Stansall/AFP | ||
Manifestantes em Londres pedem a permanência do Reino Unido na União Europeia |
Entre 15 e 24 de maio, seis de dez pesquisas foram feitas pelo telefone, e a vantagem do "permanecer" se ampliou. Algumas pessoas interpretaram esse fato como uma mudança fundamental indicativa de uma consolidação das opiniões do eleitorado, mas as mudanças dentro das pesquisas de cada modo (telefone ou internet) foi mínima.
RASTREADOR DE PESQUISAS
Esses fatores têm consequências para pesquisas ponderadas, como o rastreador do "Financial Times" de pesquisas sobre o Brexit.
A metodologia de nosso rastreador de pesquisas é simples. Pegamos as sete pesquisas mais recentes de sete institutos diferentes, removemos os extremos, eliminando a pesquisa que aponta o maior número de votos em "permanecer" e a que indica o menor número, e incluímos no cálculo o elemento de quão recentes são os dados.
Uma questão que estamos considerando é a possibilidade de dividir os resultados igualmente entre pesquisas telefônicas e online -que são mais frequentes, por serem mais baratas e fáceis de fazer, e que, portanto, são em número maior que as telefônicas.
A questão das pesquisas telefônicas versus online é a dificuldade mais visível enfrentada pelos institutos de pesquisa, mas está longe de ser a única.
PARTICIPAÇÃO
Outro problema diz respeito à probabilidade de os eleitores irem votar. Essa é uma preocupação mais duradoura e que todos os institutos de pesquisa levam em conta em seus cálculos, mas esses ajustes estão longe de constituírem uma ciência exata. São usadas muitas soluções diferentes.
Alguns institutos de pesquisas incluem apenas respostas de pessoas que dizem que é certeza que vão votar no referendo. Outras pesam as respostas segundo onde os entrevistados se posicionarem numa escala de 1 a 10 de probabilidade de irem votar. Outros excluem qualquer pessoa que diga que tem menos de 50% de chances de votar.
Nossa própria análise das cinco últimas pesquisas de institutos que divulgam a probabilidade de os entrevistados irem votar mostra como os enfoques diferentes podem afetar os números.
De modo geral, quanto mais alguém está certo de que vai votar no referendo, maior é sua probabilidade de dizer que vai votar pelo Brexit. O Brexit se dá melhor de modo consistente apenas quando são contabilizados os eleitores que dão certeza absoluta de que irão votar.
Foto: Picture-alliance/empics/T.Melville | ||
Bandeiras do Reino Unido e da União Europeia |
Na maioria dos casos, porém, o "permanecer" é vencedor entre as pessoas que dizem ter 80% ou 90% de chances de irem votar; logo, não se pode afirmar simplesmente que é mais provável que os partidários do "sair" compareçam às urnas. É mais provável que o comparecimento se divida segundo linhas demográficas mais tradicionais, que estão equilibradas, com os eleitores de mais de 50 anos, favoráveis ao Brexit, e os grupos sociais mais altos sendo favoráveis à permanência. Esses dois grupos normalmente apresentam altos índices de participação eleitoral.
MERCADO DE APOSTAS
Outro fator que às vezes leva os institutos de pesquisa a modificar sua metodologia é um esforço para minimizar a distância entre os resultados de suas pesquisas e a posição "real" da opinião do eleitorado, conforme ela é apreendida.
Com tantos problemas afetando as pesquisas, algumas pessoas sugerem que os mercados de apostas possam fornecer previsões mais acertadas. O argumento é que uma previsão feita na esperança de obter uma recompensa será um bom indicador do que rumo que as coisas vão seguir.
Há problemas aqui, também. O mais evidente deles é que boa parte do dinheiro que movimenta os mercados de apostas deve ter sido apostado usando os resultados das pesquisas como base.
Podemos ver esse problema em ação, analisando o que aconteceu com os mercados de apostas no período que antecedeu a eleição geral britânica de maio de 2015.
Com base nas probabilidades apreendidas das casas de apostas principais, os conservadores começaram a apresentar uma dianteira em relação aos trabalhistas em fevereiro de 2015, sendo visto como provável que seriam o partido que conquistaria mais vagas no Parlamento. Mas a diferença entre os dois partidos só ficou grande nos últimos 15 dias antes da eleição.
Mesmo assim, cinco dias apenas antes das urnas serem abertas, um mercado separado de apostas apontava para uma probabilidade de 91% de não surgir uma maioria absoluta na Câmara dos Comuns. Seis dias depois, os conservadores conquistaram 330 das 650 cadeiras -uma maioria absoluta estreita, mas absoluta, mesmo assim.
Quando este artigo foi escrito, as probabilidades indicavam uma chance de 72% de o "permanecer" ser vitorioso no referendo. Em suma, os corretores de apostas acreditam que o Reino Unido vai continuar a fazer parte da União Europeia, mas não estão tão confiantes nisso quanto estavam em que não haveria maioria absoluta em maio do ano passado.
Tradução de Clara Allain
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