Brexit opôs amigos-rivais de Oxford David Cameron e Boris Johnson
Hannah McKay/Reuters | ||
O ex-prefeito de Londres Boris Johnson (centro), com o primeiro-ministro Cameron (à dir.) |
Artesãos do Brexit, o primeiro-ministro David Cameron e o ex-prefeito de Londres Boris Johnson se conheceram na Universidade de Oxford, a fábrica de lideranças políticas do Reino Unido.
"When Boris met Dave", um documentário de 2009, retrata a passagem deles pela cidade que inspirou os livros do Harry Potter. Boris presidiu a Oxford Union, uma arena onde os jovens lobos afiam os dentes em debates tão incandescentes quanto inconsequentes. David também frequentou os grandes palcos da universidade, mas preferia as noites enfumaçadas do Hi-Lo, o bar jamaicano da Cowley road, a artéria que liga a cidade medieval ao mundo real. Os dois fizeram das suas no Bullingdon club, uma sociedade secreta proibida a mulheres onde os meninos do coral se transformam em capetas.
Foi durante esses anos que ambos forjaram as suas personalidades políticas. David se tornou um líder de compromissos, pacificou o partido conservador e chegou a primeiro-ministro em 2010 através de uma aliança com os democratas liberais. Mesclando exuberância e extravagância, Boris se transformou num agente provocador e capturou a prefeitura de Londres, tradicional bastião dos trabalhistas, em 2008.
De início, o plebiscito sobre a permanência na União Europeia era apenas mais uma manobra na carreira política dos dois principais lideres da direita. David, o conciliador, lançou a empreitada para garantir o apoio do eleitorado de ultra-direita nas eleições gerais de 2015.
Nada na trajetória intelectual e política de Boris indica uma inclinação por um Reino Unido fechado ao mundo. Europeísta (formado em letras clássicas, domina o grego e o latim) e Atlantista (nasceu e passou a infância nos Estados Unidos), ele foi um prefeito querido pela City de Londres, o centro nevrálgico do sistema financeiro britânico, radicalmente pró-europeu.
Porém, temendo uma travessia no deserto depois do término do seu mandato em maio deste ano, Boris, o temerário, abraçou a causa do Brexit. A derrota prometida seria largamente compensada pela oportunidade de se reinventar como politico antissistema e desafiar David pela direita. Como resumiu Martin Schultz, Presidente do parlamento europeu, o referendo tem as suas origens numa disputa pelo poder dentro do partido conservador, e não num malaise social.
Faltou combinar com os russos: a crise dos refugiados, aliada às clivagens regionais e à febre de nacionalismo provocada pelas tentação independentista da Escócia, levaram ao Brexit.
No dia seguinte, era impossível distinguir o vencedor do derrotado. David Cameron teve de entregar o seu mandato pouco mais de um ano depois de ter sido triunfalmente reeleito. Boris Johnson passou a ser associado a Donald Trump, o perigoso palhaço-candidato americano.
Os dois ainda vão a tempo de salvar as suas biografias: David tem três meses para conter as ondas de choque e impedir o desmembramento do Reino Unido. Boris, provável futuro primeiro-ministro, terá de repensar o lugar do país no mundo. O desafio é enorme, e o risco para os dois amigos-rivais também: Afinal, para os meninos de Oxford, berçados nas aventuras de Winston Churchill, não há nada mais aterrador do que a perspetiva de acabar nas páginas sombrias da história britânica, lado a lado com Neville Chamberlain.
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