Ataques isolados deixam França mais vulnerável, avalia pesquisador
Símbolo dos valores do Ocidente, a França é citada como possível alvo do terrorismo internacional há mais de uma década, mas só nos últimos meses passou a ser atacada sistematicamente —registrando mais de 200 mortes desde 2015.
Isso acontece, segundo o cientista político franco-canadense Christophe Chowanietz, 44, por ao menos dois motivos. Para ele, a França estava preparada para evitar grandes ataques da Al Qaeda, mas se torna mais vulnerável a ataques menores, no "varejo", como dizem especialistas. Atentados assim, ele diz, são impossíveis de prevenir.
Especialista na relação entre terrorismo e política francesa e professor do John Abbott College, em Montréal, Canadá, ele explica que outro motivo para o aumento dos atentados é a guerra na Síria. O conflito aumentou o fluxo de pessoas que receberam treinamento terrorista e que se preparam para cometer atos de forma isolada, segundo ele.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
*
Folha - Qual a relevância de um ataque na França no dia nacional do país?
Christophe Chowanietz - A escolha da data não foi aleatória. O 14 de julho é um símbolo da luta pelos direitos humanos, do dia em que as pessoas passaram a defender sua liberdade.
A França tem sido citada como possível alvo de terroristas desde o 11 de Setembro. Por que só agora os ataques parecem ter se intensificado?
A França tem uma longa história de ataques terroristas. A escala do que aconteceu em novembro e nesta semana é imensa, entretanto. O país estava preparado e conseguiu evitar ataques de grupos como a Al Qaeda. O EI é mais bem-sucedido por usar uma estratégia diferente.
Agora, o perfil dos atentados mudou, e uma pessoa com um caminhão consegue matar quase tantas pessoas quanto grupos armados realizando ataques coordenados. Esses pequenos ataques são um símbolo do que a França está sofrendo, e eles são impossíveis de prevenir.
O que mudou?
O momento-chave para a segurança da França é o início da guerra civil na Síria. Analisando os 15 anos entre o 11 de Setembro e agora, a França sempre conseguiu evitar grandes atentados, mas desde a guerra na Síria, tornou-se mais fácil as pessoas circularem entre grupos terroristas, irem lutar na Síria, serem treinados e voltar com planos de organizar ataques isolados.
Qual o impacto político de um atentado assim na França?
É natural que o país passe a ter uma tendência mais forte à direita, defendendo políticas duras. Mas é difícil saber exatamente o que vai acontecer em relação ao presidente François Hollande e à Frente Nacional, de extrema-direita. Os radicais têm pouca chance de chegar ao poder.
Como Hollande tem lidado com o terrorismo na França?
Quando ele se tornou presidente, as pessoas desconfiavam dele, e o achavam fraco. De certa forma, esses ataques não afetaram sua força política, e até lhe deram um pouco mais de estatura de chefe de estado. Mas se os ataques continuarem acontecendo, isso pode mudar.
Hollande chamou o ataque a Nice de terrorismo imediatamente após o ataque.
É uma apropriação do simbolismo político do ataque. É sempre vantajoso para políticos chamar de terrorismo, e Hollande começou a falar isso antes que houvesse informações reais sobre essa relação. Isso acontece porque joga dentro da lógica de que estamos vivendo uma guerra, e que precisamos ter cuidado e reagir contra os terroristas.
Ele se tornou um tipo diferente de líder desde o atentado contra o "Charlie Hebdo". Após enfrentar três ataques muito sérios, Hollande se tornou um presidente de guerra.
Yoan Valat/Reuters | ||
Cartaz faz homenagem ao atentado contra o "Charlie Hebdo", em cerimônia este ano, em Paris |
Por que a França se tornou alvo de terroristas?
A França é um símbolo. Se alguém quer atacar o Ocidente, o ideal é atacar a França. É uma sociedade mais aberta e que tem muitos alvos —mesmo alguns menores. Há muitos lugares públicos que reúnem muitas pessoas e é impossível prevenir esses ataques contra aglomerações.
O sistema de segurança da França tem sido muito criticado por conta dessa série de ataques recentes. Há problemas no contraterrorismo francês?
Sim e não. Sempre é possível melhorar, e houve problemas de coordenação nos trabalhos da polícia e do Exército, o que criou falhas na segurança. Mas no caso de Nice, não houve problema de segurança. É impossível prevenir um ataque como este, usando um caminhão como arma contra uma multidão.
A França precisa de mais trabalho de inteligência, e está melhorando, mas há tantos possíveis alvos de terroristas que é impossível proteger a tudo e a todos.
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Um mundo de muros
Em uma série de reportagens, a Folha vai a quatro continentes mostrar o que está por trás das barreiras que bloqueiam aqueles que consideram indesejáveis