Anti-islã de fuzil e atos solitários em praça marcam convenção republicana
Marcelo Ninio/Folhapress | ||
Com um fuzil nas costas, Jim Gilles, líder de um grupo anti-islã, dá entrevista em praça de Cleveland |
Enquanto a convenção do Partido Republicano começava a decolar, nesta segunda-feira (18), em Cleveland, uma "guerra santa" era travada na praça principal da cidade, no Estado de Ohio (meio-oeste dos EUA). Líder de um grupo anti-islã, Jim Gilles disparava impropérios contra o profeta Maomé num megafone, em apoio à controvertida proposta do empresário Donald Trump de vetar a entrada de muçulmanos no país.
Usando uma camisa com os dizeres "Alá é satanás", em grandes letras vermelhas, Gilles manteve-se impassivo quando outros manifestantes o chamaram de racista, sob o olhar mal encarado de integrantes de seu grupo, alguns armados.
"Não me importo se alguém se ofende com o que eu digo", disse à Folha. "Eu também fico ofendido quando um muçulmano joga um caminhão contra a multidão na França ou comete outras barbaridades".
Apesar de alguns bate-bocas mais ríspidos, o protesto transcorreu sem briga, mas a expectativa da polícia é que dificilmente a convenção republicana chegará ao fim, na quinta (22), sem confrontos violentos.
"Em mais de 30 anos de serviço", jamais vi um esquema de segurança desse tamanho, disse o número dois da polícia de Cleveland, Frank Jackson, enquanto acompanhava a chegada de manifestantes de causas variadas.
Um deles era Jesse Gonzales, que apareceu com um boné da campanha de Donald Trump na cabeça e um fuzil AK-47 pendurado no ombro. Natural de Cleveland, ele espera a confirmação de Trump como o candidato à Presidência na convenção republicana desta semana para entrar de cabeça na campanha do magnata.
Questionado por que decidiu levar seu fuzil à praça, respondeu com um sorriso: "Porque eu posso". A política linha-dura de Trump sobre imigração o atrai, incluindo a polêmica promessa de construir um muro na fronteira com o México. Mas seu foco é o direito de portar armas de fogo, que teme perder caso a democrata Hillary Clinton derrote Trump nas eleições presidenciais de novembro.
"Tem havido muita pressão política para banir esse nosso direito garantido pela Constituição, e achei que a melhor forma de protestar contra isso era trazer meu fuzil", explicou, cercado de repórteres.
Policiais de vários Estados do país estão em Cleveland para reforçar a segurança. Andando em grupos pela cidade, eles têm sido aplaudidos nas ruas, num gesto de solidariedade após os dois ataques recentes, que deixaram cinco policiais mortos em Dallas (Texas) e três em Baton Rouge (Louisiana), este último no domingo (17).
"Vim para rezar pelos policiais e mostrar meu apoio a seu trabalho", disse Kim Snyder, ministra da igreja Bethel Cleveland, usando uma camisa com os dizeres "abraços grátis".
Snyder foi uma das que bateram boca com os manifestantes anti-islã —que para ela, "distorcem a palavra de Deus". Mas diz que não deixou de apoiar Trump por sua promessa de barrar a entrada de muçulmanos no país.
"Ele disse muita coisa inapropriada nesta campanha, mas não acho que seja racista ou misógino. É seu jeito. Gosto dele porque é forte e vai proteger os cristãos e o país", explicou.
Marcelo Ninio/Folhapress | ||
Homem segura cartaz de apoio a refugiados sírios; ao fundo, manifestante anti-islã |
PROTESTOS SOLITÁRIOS
Na praça central de Cleveland apareceram também vários manifestantes solitários, alguns com cartazes caseiros, como Steve, que não quis revelar o sobrenome. "Apoiem os refugiados sírios" dizia a mensagem, que ele ergueu bem ao lado do anti-islâmico Jim Gilles.
"Morei um ano na Turquia e conheci vários refugiados. Não são todos terroristas como muita gente pensa aqui nos EUA. A maioria é gente honesta, que só quer fugir do inferno da guerra civil", disse Steve. "Somos um país de imigrantes, e nossa obrigação moral é acolher os refugiados".
A poucos metros dali, Allan Grafman também fazia seu protesto solitário contra Trump. Ele viajou de Nova York até Cleveland só para isso e, embora não se entusiasme por Hillary Clinton, diz que o mais importante é garantir que Trump não seja eleito.
"Hillary é mentirosa e trapaceira. Mas Trump é perigoso", afirma.
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