Saiba o que é fato no discurso de Donald Trump sobre a economia
Ao apresentar sua plataforma econômica, nesta segunda (8), o candidato republicano Donald Trump fez diversas afirmações que desconsideram as complexidades da economia dos EUA e da economia internacional. Abaixo, conferimos algumas delas.
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Afirmação: "Um em cada cinco domicílios nos Estados Unidos não tem nem mesmo uma pessoa na força de trabalho, nenhum dos integrantes do domicílio. Esses são os números reais do desemprego —a estatística de 5% é uma das maiores trapaças da política norte-americana moderna."
Verificação: O índice de desemprego foi na verdade de 4,9% em julho, e não 5%. E o número não é uma trapaça. É compilado por uma agência federal respeitada por economistas de todo o espectro político. Os dados, porém, são incompletos. O índice de desemprego mede o número de pessoas que estão buscando emprego ativamente. Não inclui pessoas que desistiram de fazê-lo por frustração, que optaram por ficar em casa para cuidar dos filhos ou pais, ou que decidiram se aposentar.
Os indícios sugerem que ainda existe muita gente que está afastada do mercado de trabalho involuntariamente.
Enquanto o índice de desemprego recuava a um patamar normal, a proporção de adultos empregados ainda assim se manteve incomumente baixa. Antes da recessão, em julho de 2007, a força de trabalho incluía 79,8% dos adultos dos Estados Unidos com idades entre 25 e 54 anos. Em julho de 2016, apenas 78% dos adultos nesse grupo estavam trabalhando —o que significa uma queda de alguns milhões de pessoas na força de trabalho.
Eric Thayer/Reuters | ||
O republicano Trump fala sobre seus planos para a economia em Detroit, em discurso nesta segunda |
Afirmação: "Finalmente, nenhuma família terá de pagar impostos sobre a morte. Os trabalhadores norte-americanos pagam impostos a vida inteira, e não deveriam voltar a ser tributados na morte; é completamente errado que a maioria das pessoas concorde com isso. Vamos revogar esse imposto."
Verificação: Apenas alguns poucos trabalhadores norte-americanos estão sujeitos a tributos sobre espólios, e as pessoas sujeitas a esse tipo de tributo em geral não são classificadas como "trabalhadores". Sob a lei atual, um casal casado pode proteger até US$ 10,9 milhões de seu espólio contra qualquer forma de tributação federal.
O imposto sobre espólios atinge cerca de 0,2% dos espólios norte-americanos, de acordo com o Centro de Prioridades Políticas e Orçamentárias, uma organização de pesquisa de inclinações esquerdistas.
O centro estimou no ano passado que revogar completamente esse imposto em 2016 beneficiaria 5.400 famílias, e lhes propiciaria economias médias de US$ 3 milhões. Para as famílias mais ricas, como os Trump, a economia seria proporcionalmente maior.
Afirmação: "A fabricação de veículos motorizados é uma das indústrias mais regulamentadas do país e até mesmo do planeta. A economia dos Estados Unidos é hoje 25% menor do que poderia ter sido sem o acúmulo de regulamentação que surgiu desde 1980. Estima-se que a regulamentação excessiva em vigor custe à nossa economia até US$ 2 trilhões anuais."
Verificação: A indústria automobilística é de fato pesadamente regulamentada, e a regulamentação custa dinheiro. No entanto, as regras federais têm importantes benefícios. Ao longo dos últimos 50 anos, o número de vítimas fatais em acidentes de automóveis caiu em 75%. Em 2014, houve apenas 0,65 morte por 100 milhões de quilômetros percorridos em veículos terrestres, nos Estados Unidos.
É inerentemente difícil estimar crescimento econômico em um mundo que nunca existiu. A afirmação de Trump se baseia em pesquisa publicada pelo Mercatus Center, da Universidade George Mason, que tem uma visão muito desfavorável sobre a regulamentação. Outros economistas consideram que as estatísticas dessa instituição são consideravelmente exageradas.
Scott Eisen/Getty Images/AFP | ||
O candidato republicano à Presidência, Donald Trump, em comício em New Hampshire |
Afirmação: "O presidente Obama, e as pessoas em geral definidas como especialistas que estiveram erradas sobre todos os acordos de comércio internacional durante décadas, previram que um acordo comercial com a Coreia do Sul elevaria nossas exportações à Coreia do Sul em mais de US$ 10 bilhões —o que resultaria na criação de cerca de 70 mil empregos."
"Como as promessas de Hillary Clinton a Nova York, que jamais foram cumpridas, todas essas projeções se provaram falsas. Em lugar de criar 70 mil empregos, o tratado eliminou quase 100 mil deles, de acordo com o Instituto de Política Econômica. Nossas exportações à Coreia do Sul não subiram de maneira alguma, mas nossas importações de produtos deles dispararam".
Verificação: Os resultados iniciais do acordo de livre-comércio entre os Estados Unidos e a Coreia do Sul, que entrou em vigor em 2012, ficaram aquém das previsões do governo norte-americano. A Coreia do Sul comprou US$ 43,5 bilhões em produtos norte-americanos em 2011; no ano passado, as exportações para lá ficaram em US$ 43,4 bilhões. E as importações de produtos sul-coreanos cresceram.
As circunstâncias influenciaram esse resultado. A força do dólar pesou sobre a demanda mundial por produtos norte-americanos, e elevou a demanda norte-americana por bens estrangeiros. Além disso, o acordo dispunha que algumas barreiras à importação seriam reduzidas gradualmente.
A Parceria Transpacífico que está em discussão, no entanto, representa em parte uma tentativa de melhorar os acordos em vigor com a Coreia do Sul e outros países asiáticos. Existem indicações, por exemplo, de que a Coreia do Sul venha segurando o valor de sua moeda nos últimos anos —mas no acordo de comércio em vigor não há nada que a impeça de fazê-lo. A nova proposta busca desencorajar esse tipo de manipulação cambial.
Afirmação: "Meu plano ajudará a reduzir os custos da criação de filhos ao permitir que os pais deduzam plenamente dos impostos as quantias gastas com suas crianças."
Verificação: Trump está propondo uma nova dedução de impostos, o que significa que as pessoas deixariam de pagar tributos sobre a porção de sua renda usada para cobrir despesas com filhos. (O código tributário atual permite que um casal casado deduza US$ 5.000 de sua base de renda pré-impostos para cobrir despesas com crianças ou que busque restituição de até US$ 6.000 para cobrir despesas com crianças.) Embora Trump não tenha oferecido detalhes, sua nova dedução provavelmente beneficiaria um grupo limitado de contribuintes.
O governo permite que todos os norte-americanos reduzam sua renda tributável por um valor fixo, ao declarar imposto de renda. Essa dedução padrão foi de US$ 9.300 em 2016. As pessoas que gastam mais com certas coisas, como pagamento de hipotecas ou contas de hospital —e, no plano de Trump, na criação de seus filhos— podem declarar esses itens especificamente e solicitar dedução maior.
Mas apenas 30% dos domicílios dos Estados Unidos optaram por declarar especificamente essas despesas em 2013, o ano mais recente para o qual existem dados da Receita. Como seria de esperar, os domicílios que optaram por declarações específicas desse tipo de despesa tinham renda superior a US$ 75 mil por ano.
O plano de Trump poderia elevar a proporção de domicílios que declaram despesas especificamente, porque acrescentaria uma nova categoria à lista de despesas elegíveis. Mas o grosso dos benefícios certamente ficaria com as famílias de alto patrimônio, que gastam mais na criação de seus filhos e que já contam com outras grandes despesas dedutíveis.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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