Políticos kirchneristas viram alvo de humilhações públicas na Argentina
Não está fácil para políticos da Argentina, sobretudo kirchneristas, viajarem de avião. É que aeroportos e aeronaves tornaram-se os principais cenários para escrachos nos últimos meses.
Ministros, secretários e diretores dos governos de Néstor (2003-2007) e Cristina Kirchner (2007-2015) estão entre os que mais têm sofrido as humilhações, em que são vaiados e xingados em ambientes públicos por supostos casos de corrupção.
A ex-mandatária é uma das poucas que se salva, pois, quando aparece em público, costuma estar protegida por centenas de militantes.
Emiliano Lasalvia/AFP | ||
Ex-presidente Cristina Kirchner acena a apoiadores na chegada a aeroporto de Buenos Aires, em julho |
O último a passar por uma dessas situações foi Martín Sabbatella, ex-diretor da Afsca (órgão de aplicação da lei de mídia no kirchnerismo).
O político tentava embarcar em um voo em Santiago del Estero (1.000 km ao norte de Buenos Aires) quando virou alvo de um grupo de passageiros que gritavam "delinquente" e "kirchnerista ladrão".
O piloto acabou proibindo todos os envolvidos no episódio de entrarem no avião e Sabbatella só voltou a Buenos Aires no dia seguinte.
"Lamentavelmente vivi esse mau momento com minha mulher e minha equipe de imprensa, mas fizemos uma denúncia para que isso não fique assim. Nenhuma pessoa pode insultar a outra e ficar impune", disse à imprensa.
Ex-chefe de gabinete de Cristina, Aníbal Fernández foi humilhado de forma parecida em julho. Estava em um avião a caminho de Londres quando passageiros foram a sua poltrona xingá-lo.
O ex-candidato a vice-presidente Carlos Zannini foi escrachado, pela segunda vez no ano, em abril, quando embarcava para Miami.
Juntam-se aos três, os políticos Axel Kicillof (ministro de Economia entre 2013 e 2015), Guillermo Moreno (secretário de Comércio de 2006 a 2013) e Alberto Fernández (chefe de gabinete da Presidência de 2003 a 2008).
Os três foram alvo de protestos em lugares diferentes, como a escola do filho, um barco entre o Uruguai e a Argentina, uma confeitaria e um shopping de luxo.
Para o sociólogo e advogado Roberto Gargarella, professor da Universidade Torcuatto Di Tella, há escrachos que podem ser compreendidos e justificados quando não implicam atos de violência, mas é preciso analisar cada caso. "Pode ser um sintoma saudável de inquietude social diante de uma situação insultante [de corrupção] e de falha da Justiça."
HISTÓRIA
Na Argentina, os escrachos surgiram nos anos 1990 como uma ferramenta para condenar socialmente os responsáveis pela ditadura enquanto não havia julgamento.
Os parentes de desaparecidos realizavam marchas até casas de militares, protestavam e comunicavam aos vizinhos que no local morava algum repressor.
"A sociedade assimilou a palavra 'escracho' para qualquer ato de repúdio. Não compartilhamos dessa ideia. Kicillof não cometeu crimes contra a humanidade", diz Agustín Cetrangolo, da associação H.I.J.O.S., entidade de parentes de desaparecidos que teve o apoio de Cristina Kirchner nos últimos anos.
Apesar de a maioria dos escrachos de hoje focar em kirchneristas, o presidente Mauricio Macri também não escapa. Em julho, quando estava na Alemanha, passou por uma humilhação pública pelo caso Panama Papers —em que é citado como diretor de uma empresa offshore constituída no paraíso fiscal.
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