Pais viciados em drogas obtêm sua dose, mesmo com as crianças olhando
Era um vídeo horroroso –uma jovem mãe que havia tido uma overdose jazia inconsciente no chão de uma loja Family Dollar (rede de venda de artigos variados a baixos preços) em Lawrence, Massachusetts.
Como um adicional angustiante à cena, a filha da mulher, de dois anos, com um velho pijama lilás, puxava o braço flácido da mãe, tentando acordá-la. A menina chorava. A mãe parecia sem vida.
Um funcionário da loja filmou a cena enquanto esperavam pelos médicos. Quando chegaram, reanimaram a mãe e a levaram, com a filha, para o hospital. O vídeo, que se tornou público dois dias depois, se espalhou pela internet.
John Moore/Getty Images/AFP | ||
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Infelizmente, segundo a polícia, a epidemia de opiáceos na Nova Inglaterra e em outros lugares atingiu tal proporção que já não é mais chocante ver usuários de drogas tendo um colapso em público. Em Massachusetts, mais de quatro pessoas morrem diariamente de overdose de drogas.
O que é novo, segundo eles, é que as pessoas viciadas estão comprando, utilizando e distribuindo drogas cada vez mais com seus filhos a tiracolo.
A polícia de Lawrence calcula que há crianças presentes em talvez 10% dos chamados relacionados a drogas que eles atendem.
"É simplesmente um subproduto terrível dessa crise de opiáceos", disse Thomas Cuddy, assistente especial do chefe de polícia James Fitzpatrick, de Lawrence.
Em New Hampshire, a heroína foi identificada como um fator de risco em 7,62% das investigações sobre negligência infantil este ano até abril, de acordo com a Divisão para Crianças, Jovens e Famílias, do Estado; isso é superior aos 4,8% do período entre outubro e dezembro de 2014.
Marylou Sudders, secretária de Saúde e Serviços Humanos de Massachusetts, disse que cada vez mais crianças estão sendo incorporadas ao sistema de bem-estar infantil, depois que os pais compraram drogas ou tiveram overdoses na frente delas.
"As crianças são vítimas também do que estamos vendo com essa epidemia", disse ela. "Trata-se de um triste lembrete de que as nossas intervenções têm de ser mais amplas do que apenas a do tratamento para o indivíduo. Têm de incluir os entes queridos, especialmente as crianças."
No caso de Lawrence, assim como as redes sociais acumularam expressões de repúdio à mãe que teve a overdose, Mandy McGowen, o vídeo também estimulou uma rede de mães de viciados em drogas dispostas a ajudar. Algumas delas haviam resgatado seus próprios netos do consumo de drogas dos seus pais e tinham experiência em como lidar com as crises e utilizar o sistema. Ficaram comovidas com a criança no vídeo e alarmadas com o fato de que ninguém tivesse tentado ajudar a mãe. Então entraram em ação.
Em Lawrence, médicos reanimaram McGowen com duas doses de naloxona, que reverte os efeitos de uma overdose.
No final, uma ambulância levou McGowen e sua filha para o Hospital Geral de Lawrence.
O vídeo logo apareceu no Facebook, antes de que a polícia e o jornal o difundissem. Uma das pessoas que o viram primeiro era uma mulher tangencialmente relacionada a McGowen. Ela ligou para Pamela Gani, uma mãe de New Hampshire ativa no auxílio de pessoas com problemas de drogas. Gani pediu que outra mãe, Lisa Carter, que mora perto de McGowen, fosse ver como ela estava.
Gani e Carter são membros de uma organização chamada Magnolia New Beginnings Inc. (novos inícios Magnólia), um grupo beneficente de trabalho voluntário composto principalmente por mães cujos filhos estão ou estiveram envolvidos com drogas e que se apoiam entre si durante as crises que inevitavelmente surgem.
"Eu fiquei chocada com o fato de que as pessoas estivessem compartilhando aquele vídeo", disse Maureen Cavanagh, fundadora e presidente da Magnolia, que mora em Massachusetts. "Ele perpetua a vergonha e o estigma da doença."
Na sexta-feira passada, um contato de Cavanagh em Massachusetts conseguiu um leito para tratamento de desintoxicação para McGowen por uma semana. Também está providenciando um leito em um lugar de tratamento grátis por 28 dias. Um tratamento hospitalar intensivo com acompanhamento médico pode custar US$ 30 mil (cerca de R$ 97.400) por mês.
Carter disse que a menina seria colocada em um orfanato, e não para ser adotada, sob a teoria de que McGowen um dia estaria bem o suficiente para tê-la de volta.
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