Candidata democrata, Hillary Clinton tem vantagem em apoio da mídia
Justin Sullivan/AFP | ||
Hillary Clinton, candidata do Partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos |
A um mês da eleição que vai escolher o próximo a ocupar a Casa Branca, e enquanto as pesquisas de intenção de voto ainda indicam uma disputa apertada entre os candidatos,Hillary Clinton leva ampla vantagem sobre Donald Trump no quesito apoio da mídia.
A postura anti-Trump é perceptível em editoriais publicados por alguns dos principais veículos da imprensa do país. Enquanto a candidata democrata foi endossada por mais de uma dúzia de jornais e revistas, nenhum deu aval ao republicano. Mais do que isso, o "USA Today" fez um "endosso negativo", pedindo votos contra Trump, e mesmo veículos tradicionalmente conservadores recomendam que os leitores não votem nele.
O posicionamento dos jornalistas nesta eleição não tem precedentes, segundo Robert W. McChesney, professor da Universidade de Illinois e especialista na relação entre mídia e política nos EUA. "Hillary tem um nível de apoio da imprensa nunca antes visto em uma eleição presidencial", disse à Folha.
O pesquisador Jim Kuypers, da Virginia Tech, fez a conta e indica que a tendência liberal, mais próxima dos democratas, faz parte do perfil da mídia americana: Dos cem jornais de maior circulação dos EUA, 65 apoiaram Barack Obama e 25, John McCain em 2008; 41 endossaram Obama e 35, Mitt Romney em 2012; e até agora 16 defendem Hillary enquanto nenhum é a favor de Trump.
"Não há equilíbrio. A mídia americana deixou de lado qualquer pretensão à objetividade e está abertamente tentando eleger Hillary", disse Kuypers à Folha.
'DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS'
Autor do livro "Partisan Journalism" (Jornalismo partidário), em que trata da história do enviesamento midiático nos EUA, Kuypers diz que a atual postura contra Trump é arrogante e perigosa para a imprensa do país.
"O viés político geralmente era mantido fechado pela imprensa, na tentativa de seguir normas de objetividade", diz. Agora, com a postura assumida na eleição, publicações como o "New York Times" "prestam um desserviço a todos os americanos e ao mundo ao dizer: 'temos o direito de julgar quem deve ou não ser presidente'. Visto do contexto das normas éticas de reportagem, a arrogância deste tipo de visão é surpreendente", avaliou.
O professor McChesney faz crítica semelhante e diz que a mídia não usa o mesmo parâmetro para avaliar Hillary e Trump. "São dois pesos e duas medidas, e Hillary está se beneficiando disso. Trump sabe, e tem o direito de reclamar que a mídia é tendenciosa contra ele", disse.
O cientista político Stephen J. Farnsworth diz acreditar que este tipo de viés midiático fora do comum se faz necessário por tratar de uma eleição igualmente incomum.
"Trump é um candidato muito diferente", disse. "O que há de enviesamento é em direção à verdade. Se trump não quer que a imprensa seja tendenciosa, deveria falar a verdade", defendeu.
Segundo o site Politifact, especializado em checar declarações políticas, Trump realmente tem exagerado na falta de compromisso com a verdade. Do total de declarações do republicano avaliadas, 69% são falsas ou parcialmente falsas -27% das declarações de Hillary foram avaliadas como falsas ou parcialmente falsas.
"Não há cobertura tendenciosa. Há feridas autoinfligidas", disse Farnsworth.
CIRCO MIDIÁTICO
O comportamento de Trump e sua falta de apego à verdade podem até afetar o comportamento da imprensa em relação a sua campanha a um mês da eleição, mas fazem parte da forma como ele "sequestrou a atenção da mídia" e se tornou candidato com chance de se tornar presidente, segundo analistas.
"É fácil cobrar que a mídia apenas noticie o fatos sem ser tendenciosa. Mas é muito difícil cobrir a campanha de Trump de forma equilibrada", disse David D'Alessio, professor da universidade de Connecticut-Stamford e autor de um estudo sobre o viés na cobertura das eleições presidenciais na mídia dos EUA entre 1948 e 2008.
Segundo ele, a cobertura da eleição deste ano é diferente, pois Trump acredita que qualquer publicidade é boa para sua campanha. "Trump desde o princípio usou a estratégia do circo midiático. Ele acredita que é importante que se fale dele, mesmo que falem mal. E assim ele controla o ciclo da notícia", disse.
Segundo Matthew Levendusky, autor do livro "How Partisan Media Polarize America" (Como a mídia partidária polariza os EUA), há pesquisas que mostram que Trump recebeu o equivalente a bilhões de dólares em propaganda gratuita por saber como conquistar a atenção da imprensa. "Trump na verdade é uma celebridade", disse.
EFEITO NAS URNAS
Por mais evidente que seja o posicionamento da imprensa a favor de Hillary, há pouco consenso entre especialistas a respeito do efeito real que esta defesa midiática pode ter nas urnas. A maioria dos pesquisadores concorda, entretanto, que o fato de as pesquisas de intenção de voto mostrarem uma disputa apertada torna o endosso midiático mais importante
"Com os dois candidatos tão próximos nas pesquisas, não é preciso muito para mudar o resultado", disse D´Alessio, defendendo que as declarações de apoio da imprensa são importantes.
Para Farnsworth, eleitores de Trump e Hillary são imunes ao posicionamento da imprensa, mas isso torna mais difícil convencer os indecisos a apoiar o republicano. "O apoio da imprensa a Hillary afeta a campanha de Trump."
O viés da mídia parenta já ter efeito sobre indecisos. Segundo o site de estatísticas FiveThirtyEight, o percentual de indecisos e de eleitores de candidatos independentes vem caindo nos últimos dias nas principais pesquisas de intenção de voto, e quase 85% dos eleitores dizem já ter decidido entre Hillary ou Trump - cinco pontos percentuais a mais do que um mês antes.
A média de pesquisas de intenção de voto calculada pelo site Real Clear Politics indica que Hillary tem o apoio de 48% dos eleitores, contra 43,9% de Trump. A vantagem da democrata vem se construindo especialmente desde o primeiro cara a cara entre ela e o republicano, no último dia 26, quando os dois apareciam tecnicamente empatados nas sondagens.
No Brasil, não é comum haver posicionamento político claro dos veículos da imprensa. A Folha, desde o primeiro Projeto Editorial, de 1984, fez a opção por um jornalismo crítico, pluralista e apartidário.
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