Coreana aguarda deportação do filho para confessar 'pecado imperdoável'
Kwon Pil-ju está tentando desesperadamente aprender inglês sozinha antes de se reencontrar, nas próximas semanas, com um filho que ela abandonou há quase 40 anos.
"Tenho tanto a dizer a ele, especialmente o quanto me arrependo", disse ela, sentada em seu quarto que também serve de cozinha, em uma casa rural térrea em Yeongju. "Mas estou confusa, pois não sei inglês e ele não fala coreano."
Seu filho é Adam Crapser, 41, um coreano adotado que aguarda a deportação em um centro de detenção da imigração no Estado de Washington por não ter a cidadania americana, embora viva nos EUA desde os 3 anos de idade. No mês passado, um tribunal da imigração negou seu apelo final para permanecer nos EUA.
Até o destino de Crapser ser relatado em um documentário transmitido pela MBC-TV da Coreia do Sul no ano passado, Kwon sequer tinha ideia de que o filho de que abriu mão em 1978 estivesse nos EUA.
Conforme foi revelado, o menino que ela chamou de Shin Song-hyuk foi uma das 200 mil crianças sul-coreanas enviadas para adoção no exterior desde o fim da Guerra da Coreia, na maioria para os EUA.
Sul-coreanos lamentam a reputação internacional de seu país como um grande exportador de bebês. No entanto, em uma sociedade com preconceitos arraigados contra mães solteiras e crianças nascidas fora do casamento, e que evita adoções domésticas, enviar crianças para o exterior frequentemente era a melhor opção para mulheres sul-coreanas pobres. Agências de adoção procuravam seus bebês, prometendo uma vida melhor em outros países.
Mas nos últimos anos alguns estão voltando já adultos para a Coreia do Sul, relatando que as adoções não deram certo.
Algumas das histórias mais dolorosas são as dos que foram enviados de volta à Coreia do Sul. Assim como Crapser, eles foram abusados ou abandonados por seus pais adotivos. Somente após chocar-se com a lei, eles souberam que não eram cidadãos americanos, pois seus pais jamais haviam cuidado dos trâmites burocráticos para obter sua cidadania.
Funcionários do Ministério da Saúde e Bem-Estar da Coreia do Sul dizem saber de pelo menos cinco adotados que foram deportados pelos EUA. Entretanto, advogados de coreanos adotados dizem que pode haver mais que o dobro desse número, alguns sem documentos.
Jogados de volta a um país que haviam deixado décadas atrás, esses adotados mais uma vez são estrangeiros lutando para se adaptar a uma cultura e um idioma desconhecidos.
O documentário televisivo que abordou as dificuldades de Crapser também inclui a história de um adotado de 44 anos chamado Monte Haines, ou Han Ho-kyu, que serviu o Exército americano nos anos 1990. Ele foi deportado para a Coreia do Sul em 2009 após ser detido dirigindo um caminhão que transportava drogas ilegais. Alguns adotados tiveram doenças mentais graves e se tornaram sem-teto quando voltaram a um país que jamais foi realmente seu lar.
Pelo menos Crapser tem uma mãe verdadeira à sua espera.
O PECADO
Kwon, 61, passa horas preenchendo páginas pautadas com as letras do alfabeto inglês, copiadas com a mão trêmula. O processo é lento para uma mulher sem educação formal, mas ela quer conseguir se explicar para seu filho.
"Nunca imaginei que ele levasse uma vida tão difícil", comentou ela, enxugando as lágrimas. "Eu devia tê-lo mantido comigo mesmo que passássemos fome juntos. O que fiz foi um pecado imperdoável."
Quando era criança, Kwon passou por terapia com acupuntura que teve resultados terríveis, deixando sua perna esquerda atrofiada e paralisada. Seu pai, alcoólatra, a enviou para morar com um homem que tinha paralisia cerebral. Um ano e meio depois, ela conheceu um carpinteiro com quem teve três filhos: uma menina e dois meninos, incluindo um nascido em 1975, Shin Song-hyuk, que depois se tornaria Adam Crapser.
Segundo Kwon, o carpinteiro frequentemente a chutava e esmurrava, e acabou abandonando-a com as crianças pequenas.
Kwon não conseguia pagar o aluguel. Seu pai era pobre demais para acolher a ela e às crianças.
Em 1978, ela deu seu filho mais novo a uma família sem crianças. Em seguida, levou a filha e Song-hyuk, então com 3 anos, a um orfanato local que negociava adoções. Ela viu as crianças se divertindo com brinquedos e outras crianças e saiu sem dizer adeus, com medo de que eles a seguissem.
No ano passado, Kwon recebeu um telefonema de um parente que se lembrava de Song-hyuk e vira o documentário televisivo no qual Crapser fazia um apelo à sua mãe biológica.
"Lembre-se, 'Eomma', sou sempre seu filho, sua carne e sangue", dizia ele, usando a palavra coreana para mãe.
Kwon procurou o produtor do documentário, Kim Bo-seul, que arranjou uma conversa por vídeo entre a mãe e o filho, e um teste de DNA para confirmar seu parentesco.
Crapser, que tem mulher, uma filha e duas enteadas, comunicou-se com sua mãe biológica por meio de um intérprete. Ele tem a expectativa de ser deportado nas próximas semanas e de se reencontrar com a mãe, que pretende decorar um pequeno quarto em sua casa para o filho.
Kwon disse ter dificuldade para dormir, pois fica pensando no que dirá a seu filho e em que comida servirá quando ele chegar.
"Eu continuo pobre, mas devo muito amor a ele", comentou ela.
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