Depoimento
'Este é um país de loucos!', me diziam sempre os cubanos
Alguns poucos minutos após desembarcar no aeroporto de Havana (engarrafamento no trânsito é coisa de capitalista...), em julho de 2015, já tomando uma cerveja num boteco perto do Malecón para suportar o infernal verão cubano, ouvi pela primeira vez uma frase que ouviria repetidas vezes durante os dez dias na ilha: "Este é um país de loucos!".
A viagem, havia anos idealizada e seguidamente postergada, tornara-se urgente com a distensão promovida por Raúl Castro e Barack Obama no final de 2014. Era preciso conhecer a ilha, "o sistema", antes que, comido pelas bordas, desmoronasse.
País de loucos... Não era uma crítica. Tampouco, e muito menos, um elogio. Surgia quase sempre como um comentário desprovido de julgamento, uma simples constatação no entender de quem a dizia. Uma constatação que talvez devesse ser ouvida como uma metáfora.
Se de loucos ou não, realmente Cuba é um país à parte. A falta de liberdade coabitando com dados de saúde e educação próximos aos de países nórdicos é uma das muitas jabuticabas cubanas.
Mas, após dez dias na ilha, qualquer um pode constatar, porém, que Cuba é a jabuticaba do mundo.
Talvez seja isso o que os cubanos tentem traduzir com a recorrente expressão.
País de loucos... Fazia bastante sentido ouvir aquilo. E talvez faça ainda mais sentido no dia de hoje, em que uns tantos no país celebram e outros tantos choram a morte do último dos três líderes de uma das revoluções mais importantes da história.
Cienfuegos desapareceu ainda nos estertores da Revolução. Che foi morto na Bolívia. Fidel esperou o famigerado outubro acabar para partir.
Fico pensando agora como estará Toni, o vigia do cemitério Tomás Acea, na cidade de Cienfuegos. Visitei o campo santo em um final de tarde, e Toni, fazendo as vezes de guia, contava com minúcias, em frente ao túmulo de combatentes mortos, como foi a resistência dos cubanos à fracassada tentativa de invasão na baía dos Porcos, em 1961.
"Peraí, Toni. Como você sabe tudo isso?".
Ele levantou a calça e mostrou uma cicatriz na perna, produto de um tiro disparado por um dos pretensos invasores. "Eu estava lá", disse.
Quando perguntei como os revolucionários sabiam que haveria a tentativa de invasão da ilha por cubanos financiados pelos EUA, Toni falou de Fidel. "Quando os EUA começaram a atacar bases militares cubanas, Fidel percebeu que haveria um ataque maior, e vários combatentes foram chamados à praia Girón".
E, batendo com o dedo indicador na própria cabeça, disse: "Aquele homem é um gênio. Não há igual na Terra. E não é porque ele é cubano como eu que digo isso".
"A história me absolverá", disse Fidel. Para Toni, isso não tem a menor importância.
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